CARTAENCÍCLICA
CARITASINVERITATE
DOSUMOPONTÍFICE
BENTOXVI
AOSBISPOS
AOSPRESBÍTEROSEDIÁCONOS
ÀSPESSOASCONSAGRADAS
AOSFIÉISLEIGOS
EATODOSOSHOMENS
DEBOAVONTADE
SOBREODESENVOLVIMENTO
HUMANOINTEGRAL
NACARIDADEENAVERDADE
INTRODUÇÃO
1.Acaridadenaverdade,queJesusCristotestemunhoucomasuavidaterrenaesobretudocomasuamorteeressurreição,éaforçapropulsoraprincipalparaoverdadeirodesenvolvimentodecadapessoaedahumanidadeinteira.Oamor—«caritas»—éumaforçaextraordinária,queimpeleaspessoasacomprometerem-se,comcoragemegenerosidade,nocampodajustiçaedapaz.ÉumaforçaquetemasuaorigememDeus,AmoreternoeVerdadeabsoluta.Cadaumencontraobempróprio,aderindoaoprojectoqueDeustemparaeleafimdeorealizarplenamente:comefeito,éemtalprojectoqueencontraaverdadesobresimesmoe,aderindoaela,torna-selivre(cf.Jo8,22).Porisso,defenderaverdade,propô-lacomhumildadeeconvicçãoetestemunhá-lanavidasãoformasexigenteseimprescindíveisdecaridade.Esta,defacto,«rejubilacomaverdade»(1Cor13,6).Todososhomenssentemoimpulsointeriorparaamardemaneiraautêntica:amoreverdadenuncadesaparecemdetodoneles,porquesãoavocaçãocolocadaporDeusnocoraçãoenamentedecadahomem.JesusCristopurificaelibertadasnossascarênciashumanasabuscadoamoredaverdadeedesvenda-nos,emplenitude,ainiciativadeamoreoprojectodevidaverdadeiraqueDeuspreparouparanós.EmCristo,acaridadenaverdadetorna-seoRostodasuaPessoa,umavocaçãoanósdirigidaparaamarmososnossosirmãosnaverdadedoseuprojecto.Defacto,ElemesmoéaVerdade(cf.Jo14,6).
2.AcaridadeéaviamestradadoutrinasocialdaIgreja.Asdiversasresponsabilidadesecompromissosporeladelineadosderivamdacaridade,queé—comoensinouJesus—asíntesedetodaaLei(cf.Mt22,36-40).AcaridadedáverdadeirasubstânciaàrelaçãopessoalcomDeusecomopróximo;éoprincípionãosódasmicro-relaçõesestabelecidasentreamigos,nafamília,nopequenogrupo,mastambémdasmacro-relaçõescomorelacionamentossociais,económicos,políticos.ParaaIgreja—instruídapeloEvangelho—,acaridadeétudoporque,comoensinaS.João(cf.1Jo4,8.16)ecomorecordeinaminhaprimeiracartaencíclica,«Deusécaridade»(Deuscaritasest):dacaridadedeDeustudoprovém,porelatudotomaforma,paraelatudotende.AcaridadeéodommaiorqueDeusconcedeuaoshomens;ésuapromessaenossaesperança.
Estoucientedosdesvioseesvaziamentodesentidoqueacaridadenãocessadeenfrentarcomorisco,daíresultante,desermalentendida,deexcluí-ladavidaéticae,emtodoocaso,deimpedirasuacorrectavalorização.Nosâmbitossocial,jurídico,cultural,políticoeeconómico,ouseja,noscontextosmaisexpostosatalperigo,nãoédifícilouvirdeclararasuairrelevânciaparainterpretareorientarasresponsabilidadesmorais.Daquianecessidadedeconjugaracaridadecomaverdade,nãosónadirecçãoassinaladaporS.Pauloda«veritasincaritate»(Ef4,15),mastambémnadirecçãoinversaecomplementarda«caritasinveritate».Averdadehá-deserprocurada,encontradaeexpressana«economia»dacaridade,masestaporsuavezhá-desercompreendida,avaliadaepraticadasobaluzdaverdade.Destemodoteremosnãoapenasprestadoumserviçoàcaridade,iluminadapelaverdade,mastambémcontribuídoparaacreditaraverdade,mostrandooseupoderdeautenticaçãoepersuasãonavidasocialconcreta.Factoestequesedeveterbememcontahoje,numcontextosocialeculturalquerelativizaaverdade,aparecendomuitasvezesnegligentesenãomesmorefractárioàmesma.
3.Pelasuaestreitaligaçãocomaverdade,acaridadepodeserreconhecidacomoexpressãoautênticadehumanidadeecomoelementodeimportânciafundamentalnasrelaçõeshumanas,nomeadamentedenaturezapública.Sónaverdadeéqueacaridaderefulgeepodeserautenticamentevivida.Averdadeéluzquedásentidoevaloràcaridade.Estaluzésimultaneamentealuzdarazãoeadafé,atravésdasquaisainteligênciachegaàverdadenaturalesobrenaturaldacaridade:identificaoseusignificadodedoação,acolhimentoecomunhão.Semverdade,acaridadecainosentimentalismo.Oamortorna-seuminvólucrovazio,quesepodeencherarbitrariamente.Éoriscofataldoamornumaculturasemverdade;acabaprisioneirodasemoçõeseopiniõescontingentesdosindivíduos,umapalavraabusadaeadulteradachegandoasignificaroopostodoqueérealmente.Averdadelibertaacaridadedosestrangulamentosdoemotivismo,queadespojadeconteúdosrelacionaisesociais,edofideísmo,queaprivadeamplitudehumanaeuniversal.Naverdade,acaridadereflecteadimensãosimultaneamentepessoalepúblicadafénoDeusbíblico,queéconjuntamente«Agápe»e«Lógos»:CaridadeeVerdade,AmorePalavra.
4.Porquerepletadeverdade,acaridadepodesercompreendidapelohomemnasuariquezadevalores,partilhadaecomunicada.Comefeito,averdadeé«lógos»quecria«diá-logos»e,consequentemente,comunicaçãoecomunhão.Averdade,fazendosairoshomensdasopiniõesesensaçõessubjectivas,permite-lhesultrapassardeterminaçõesculturaisehistóricasparaseencontraremnaavaliaçãodovaloresubstânciadascoisas.Averdadeabreeuneasinteligênciasnológosdoamor:taléoanúncioeotestemunhocristãodacaridade.Noactualcontextosocialecultural,emqueaparecegeneralizadaatendênciaderelativizaraverdade,viveracaridadenaverdadelevaacompreenderqueaadesãoaosvaloresdocristianismoéumelementoútilemesmoindispensávelparaaconstruçãodumaboasociedadeedumverdadeirodesenvolvimentohumanointegral.Umcristianismodecaridadesemverdadepodeserfacilmenteconfundidocomumareservadebonssentimentos,úteisparaaconvivênciasocialmasmarginais.Destemodo,deixariadehaververdadeiraepropriamentelugarparaDeusnomundo.Semaverdade,acaridadeacabaconfinadanumâmbitorestritoecarecidoderelações;ficaexcluídadosprojectoseprocessosdeconstruçãodumdesenvolvimentohumanodealcanceuniversal,nodiálogoentreosaberearealizaçãoprática.
5.Acaridadeéamorrecebidoedado;é«graça»(cháris).AsuanascenteéoamorfontaldoPaipeloFilhonoEspíritoSanto.Éamorque,peloFilho,descesobrenós.Éamorcriador,peloqualexistimos;amorredentor,peloqualsomosrecriados.AmorreveladoevividoporCristo(cf.Jo13,1),é«derramadoemnossoscoraçõespeloEspíritoSanto»(Rm5,5).DestinatáriosdoamordeDeus,oshomenssãoconstituídossujeitosdecaridade,chamadosafazerem-seelesmesmosinstrumentosdagraça,paradifundiracaridadedeDeusetecerredesdecaridade.
Aestadinâmicadecaridaderecebidaedada,propõe-sedarrespostaadoutrinasocialdaIgreja.Taldoutrinaé«caritasinveritateinresociali»,ouseja,proclamaçãodaverdadedoamordeCristonasociedade;éserviçodacaridade,masnaverdade.Estapreservaeexprimeaforçalibertadoradacaridadenasvicissitudessemprenovasdahistória.Éaomesmotempoverdadedaféedarazão,nadistinçãoe,conjuntamente,sinergiadestesdoisâmbitoscognitivos.Odesenvolvimento,obem-estarsocial,umasoluçãoadequadadosgravesproblemassócio-económicosqueafligemahumanidadeprecisamdestaverdade.Maisainda,necessitamquetalverdadesejaamadaetestemunhada.Semverdade,semconfiançaeamorpeloqueéverdadeiro,nãoháconsciênciaeresponsabilidadesocial,eaactividadesocialacabaàmercêdeinteressesprivadoselógicasdepoder,comefeitosdesagregadoresnasociedade,sobretudonumasociedadeemviasdeglobalizaçãoqueatravessamomentosdifíceiscomoosactuais.
6.«Caritasinveritate»éumprincípioàvoltadoqualgiraadoutrinasocialdaIgreja,princípioqueganhaformaoperativaemcritériosorientadoresdaacçãomoral.Destes,desejolembrardoisemparticular,requeridosespecialmentepelocompromissoemproldodesenvolvimentonumasociedadeemviasdeglobalização:ajustiçaeobemcomum.
Emprimeirolugar,ajustiça.Ubisocietas,ibiius:cadasociedadeelaboraumsistemaprópriodejustiça.Acaridadesuperaajustiça,porqueamarédar,ofereceraooutrodoqueé«meu»;masnuncaexistesemajustiça,queinduzadaraooutrooqueé«dele»,oquelhepertenceemrazãodoseuseredoseuagir.Nãoposso«dar»aooutrodoqueémeu,semanteslheterdadoaquiloquelhecompeteporjustiça.Quemamaosoutroscomcaridadeé,antesdemaisnada,justoparacomeles.Ajustiçanãosónãoéalheiaàcaridade,nãosónãoéumcaminhoalternativoouparaleloàcaridade,masé«inseparáveldacaridade»[1],é-lheintrínseca.Ajustiçaéoprimeirocaminhodacaridadeou,comochegouadizerPauloVI,«amedidamínima»dela[2],parteintegrantedaqueleamor«poracçõeseemverdade»(1Jo3,18)aquenosexortaoapóstoloJoão.Porumlado,acaridadeexigeajustiça:oreconhecimentoeorespeitodoslegítimosdireitosdosindivíduosedospovos.Aquelaempenha-senaconstruçãoda«cidadedohomem»segundoodireitoeajustiça.Poroutro,acaridadesuperaajustiçaecompleta-acomalógicadodomedoperdão[3].A«cidadedohomem»nãosemoveapenasporrelaçõesfeitasdedireitosededeveres,masantesesobretudoporrelaçõesdegratuidade,misericórdiaecomunhão.Acaridademanifestasempre,mesmonasrelaçõeshumanas,oamordeDeus;dávalorteologalesalvíficoatodooempenhodejustiçanomundo.
7.Depois,éprecisoteremgrandeconsideraçãoobemcomum.Amaralguéméquereroseubemetrabalhareficazmentepelomesmo.Aoladodobemindividual,existeumbemligadoàvidasocialdaspessoas:obemcomum.Éobemdaquele«nós-todos»,formadoporindivíduos,famíliasegruposintermédiosqueseunememcomunidadesocial[4].Nãoéumbemprocuradoporsimesmo,masparaaspessoasquefazempartedacomunidadesocialeque,sónela,podemrealmenteecommaioreficáciaobteroprópriobem.Quererobemcomumetrabalharporeleéexigênciadejustiçaedecaridade.Comprometer-sepelobemcomumé,porumlado,cuidare,poroutro,valer-sedaqueleconjuntodeinstituiçõesqueestruturamjurídica,civil,políticaeculturalmenteavidasocial,quedestemodotomaaformadepólis,cidade.Ama-setantomaiseficazmenteopróximo,quantomaissetrabalhaemproldeumbemcomumquedêrespostatambémàssuasnecessidadereais.Todoocristãoéchamadoaestacaridade,conformeasuavocaçãoesegundoaspossibilidadesquetemdeincidêncianapólis.Esteéocaminhoinstitucional—podemosmesmodizerpolítico—dacaridade,nãomenosqualificadoeincisivodoqueoéacaridadequevaidirectamenteaoencontrodopróximo,foradasmediaçõesinstitucionaisdapólis.Quandooempenhopelobemcomuméanimadopelacaridade,temumavalênciasuperioràdoempenhosimplesmentesecularepolítico.Aquele,comotodooempenhopelajustiça,inscreve-senotestemunhodacaridadedivinaque,agindonotempo,preparaoeterno.Aacçãodohomemsobreaterra,quandoéinspiradaesustentadapelacaridade,contribuiparaaedificaçãodaquelacidadeuniversaldeDeusqueéametaparaondecaminhaahistóriadafamíliahumana.Numasociedadeemviasdeglobalização,obemcomumeoempenhoemseufavornãopodemdeixardeassumirasdimensõesdafamíliahumanainteira,ouseja,dacomunidadedospovosedasnações[5],paradarformadeunidadeepazàcidadedohomemetorná-laemcertamedidaantecipaçãoqueprefiguraacidadedeDeussembarreiras.
8.AopublicaraencíclicaPopulorumprogressioem1967,omeuveneradopredecessorPauloVIiluminouograndetemadodesenvolvimentodospovoscomoesplendordaverdadeecomaluzsuavedacaridadedeCristo.AfirmouqueoanúnciodeCristoéoprimeiroeprincipalfactordedesenvolvimento[6]edeixou-nosarecomendaçãodecaminharpelaestradadodesenvolvimentocomtodoonossocoraçãoecomtodaanossainteligência[7],ouseja,comoardordacaridadeeasapiênciadaverdade.ÉaverdadeorigináriadoamordeDeus—graçaanósconcedida—queabreaodomanossavidaetornapossívelesperarnum«desenvolvimentodohomemtodoedetodososhomens»[8],numapassagem«decondiçõesmenoshumanasacondiçõesmaishumanas»[9],queseobtémvencendoasdificuldadesqueinevitavelmenteseencontramaolongodocaminho.
Passadosmaisdequarentaanosdapublicaçãodareferidaencíclica,pretendoprestarhomenagemehonraramemóriadograndePontíficePauloVI,retomandoosseusensinamentossobreodesenvolvimentohumanointegralecolocando-menasendapelosmesmostraçadaparaosactualizarnosdiasquecorrem.EsteprocessodeactualizaçãoteveiníciocomaencíclicaSollicitudoreisocialisdoServodeDeusJoãoPauloII,quedessemodoquiscomemoraraPopulorumprogressionovigésimoaniversáriodasuapublicação.Atéentão,semelhantecomemoraçãotinha-sereservadoapenasparaaRerumnovarum.Passadosoutrosvinteanos,exprimoaminhaconvicçãodequeaPopulorumprogressiomereceserconsideradacomo«aRerumnovarumdaépocacontemporânea»,queiluminaocaminhodahumanidadeemviasdeunificação.
9.Oamornaverdade—caritasinveritate—éumgrandedesafioparaaIgrejanummundoemcrescenteeincisivaglobalização.Oriscodonossotempoéque,àrealinterdependênciadoshomensedospovos,nãocorrespondaainteracçãoéticadasconsciênciasedasinteligências,daqualpossaresultarumdesenvolvimentoverdadeiramentehumano.Sóatravésdacaridade,iluminadapelaluzdarazãoedafé,épossívelalcançarobjectivosdedesenvolvimentodotadosdeumavalênciamaishumanaehumanizadora.Apartilhadosbenserecursos,daqualderivaoautênticodesenvolvimento,nãoéasseguradapelosimplesprogressotécnicoepormerasrelaçõesdeconveniência,maspelopotencialdeamorquevenceomalcomobem(cf.Rm12,21)eabreàreciprocidadedasconsciênciasedasliberdades.
AIgrejanãotemsoluçõestécnicasparaoferecer[10]enãopretende«demodoalgumimiscuir-senapolíticadosEstados»[11];mastemumamissãoaoserviçodaverdadeparacumprir,emtodootempoecontingência,afavordeumasociedadeàmedidadohomem,dasuadignidade,dasuavocação.Semverdade,cai-senumavisãoempiristaecépticadavida,incapazdeseelevaracimadaacçãoporquenãoestáinteressadaemidentificarosvalores—àsvezesnemsequerossignificados—pelosquaisjulgá-laeorientá-la.Afidelidadeaohomemexigeafidelidadeàverdade,aúnicaqueégarantiadeliberdade(cf.Jo8,32)edapossibilidadedumdesenvolvimentohumanointegral.ÉporissoqueaIgrejaaprocura,anunciaincansavelmenteereconheceemtodooladoondeamesmaseapresente.ParaaIgreja,estamissãoaoserviçodaverdadeéirrenunciável.Asuadoutrinasocialéummomentosingulardesteanúncio:éserviçoàverdadequeliberta.Abertaàverdade,qualquerquesejaosaberdondeprovenha,adoutrinasocialdaIgrejaacolhe-a,compõenumaunidadeosfragmentosemquefrequentementeaencontra,eserve-lhedemedianeiranavidasemprenovadasociedadedoshomensedospovos[12].
CAPÍTULOI
AMENSAGEM
DAPOPULORUMPROGRESSIO
10.AreleituradaPopulorumprogressio,maisdequarentaanosdepoisdasuapublicação,incitaapermanecerfiéisàsuamensagemdecaridadeedeverdade,considerando-anoâmbitodomagistérioespecíficodePauloVIe,maisemgeral,dentrodatradiçãodadoutrinasocialdaIgreja.Depoisháqueavaliarostermosdiferentesemquehoje,diversamentedeentão,secolocaoproblemadodesenvolvimento.Porisso,opontodevistacorrectoéodaTradiçãodaféapostólica[13],patrimónioantigoenovo,foradoqualaPopulorumprogressioseriaumdocumentosemraízeseasquestõesdodesenvolvimentoficariamreduzidasunicamenteadadossociológicos.
11.ApublicaçãodaPopulorumprogressiodeu-seimediatamentedepoisdaconclusãodoConcílioEcuménicoVaticanoII.Aprópriaencíclicasublinha,nosprimeirosparágrafos,asuarelaçãoíntimacomoConcílio[14].Vinteanosdepois,eraJoãoPauloIIquedestacava,naSollicitudoreisocialis,afecundarelaçãodaquelaencíclicacomoConcílio,particularmentecomaconstituiçãopastoralGaudiumetspes[15].Desejo,tambémeu,lembraraquiaimportânciaqueoConcílioVaticanoIItevenaencíclicadePauloVIeemtodoosucessivomagistériosocialdosSumosPontífices.OConcílioaprofundouaquiloquedesdesemprepertenceàverdadedafé,ouseja,queaIgreja,estandoaoserviçodeDeus,serveomundoemtermosdeamoreverdade.FoiprecisamentedestaperspectivaquepartiuPauloVIparanoscomunicarduasgrandesverdades.AprimeiraéqueaIgrejainteira,emtodooseusereagir,quandoanuncia,celebraeactuanacaridade,tendeapromoverodesenvolvimentointegraldohomem.Elatemumpapelpúblicoquenãoseesgotanassuasactividadesdeassistênciaoudeeducação,masrevelatodasassuasenergiasaoserviçodapromoçãodohomemedafraternidadeuniversalquandopodeusufruirdeumregimedeliberdade.Emnãopoucoscasos,talliberdadevê-seimpedidaporproibiçõeseperseguições;ouentãoélimitada,quandoapresençapúblicadaIgrejaficareduzidaunicamenteàssuasactividadessócio-caritativas.Asegundaverdadeéqueoautênticodesenvolvimentodohomemdizrespeitounitariamenteàtotalidadedapessoaemtodasassuasdimensões[16].Semaperspectivadumavidaeterna,oprogressohumanonestemundoficaprivadoderespiro.Fechadodentrodahistória,estásujeitoaoriscodereduzir-seasimplesincrementodoter;destemodo,ahumanidadeperdeacoragemdepermanecerdisponívelparaosbensmaisaltos,paraasgrandesealtruístasiniciativassolicitadaspelacaridadeuniversal.Ohomemnãosedesenvolveapenascomassuasprópriasforças,nemodesenvolvimentoéalgoqueselhepossadarsimplesmentedefora.Muitasvezes,aolongodahistória,pensou-sequeerasuficienteacriaçãodeinstituiçõesparagarantiràhumanidadeasatisfaçãododireitoaodesenvolvimento.Infelizmentefoidepositadaexcessivaconfiançaemtaisinstituições,comoseestaspudessemconseguirautomaticamenteoobjectivodesejado.Narealidade,asinstituiçõessozinhasnãobastam,porqueodesenvolvimentohumanointegraléprimariamentevocaçãoe,porconseguinte,exigeumalivreesolidáriaassunçãoderesponsabilidadeporpartedetodos.Alémdisso,taldesenvolvimentorequerumavisãotranscendentedapessoa,temnecessidadedeDeus:semEle,odesenvolvimentoouénegadoouacabaconfiadounicamenteàsmãosdohomem,quecainapresunçãodaauto-salvaçãoeacabaporfomentarumdesenvolvimentodesumanizado.Aliás,sóoencontrocomDeuspermitedeixarde«vernooutrosempreeapenasooutro»[17],parareconhecerneleaimagemdivina,chegandoassimadescobrirverdadeiramenteooutroeamaturarumamorque«setornacuidadodooutroepelooutro»[18].
12.AligaçãoentreaPopulorumprogressioeoConcílioVaticanoIInãorepresentaumcorteentreomagistériosocialdePauloVIeodosPontíficesseuspredecessores,vistoqueoConcílioconstituiumaprofundamentodetalmagistérionacontinuidadedavidadaIgreja[19].Nestesentido,nãoajudamàclarezacertassubdivisõesabstractasdadoutrinasocialdaIgreja,queaplicamaoensinamentosocialpontifíciocategoriasquelhesãoalheias.Nãoexistemduastipologiasdedoutrinasocial—umapré-conciliareoutrapós-conciliar—,diversasentresi,masumúnicoensinamento,coerenteesimultaneamentesemprenovo[20].Éjustoevidenciarapeculiaridadedeumaououtraencíclica,doensinamentodesteoudaquelePontífice,massemjamaisperderdevistaacoerênciadocorpusdoutrinalinteiro[21].Coerêncianãosignificareclusãonumsistema,massobretudofidelidadedinâmicaaumaluzrecebida.AdoutrinasocialdaIgrejailumina,comumaluzimutável,osproblemasnovosquevãoaparecendo[22].Istosalvaguardaocarácterquerpermanentequerhistóricodeste«património»doutrinal[23],oqual,comassuascaracterísticasespecíficas,fazpartedaTradiçãosemprevivadaIgreja[24].AdoutrinasocialestáconstruídasobreofundamentoquefoitransmitidopelosApóstolosaosPadresdaIgrejae,depois,acolhidoeaprofundadopelosgrandesDoutorescristãos.Taldoutrinaremonta,emúltimaanálise,aoHomemnovo,ao«últimoAdãoqueSetornouespíritovivificante»(1Cor15,45)eéprincípiodacaridadeque«nuncaacabará»(1Cor13,8).ÉtestemunhadapelosSantoseporquantosderamavidaporCristoSalvadornocampodajustiçaedapaz.NelaseexprimeamissãoproféticaquetêmosSumosPontíficesdeguiarapostolicamenteaIgrejadeCristoediscernirasnovasexigênciasdaevangelização.Porestasrazões,aPopulorumprogressio,inseridanagrandecorrentedaTradição,écapazdenosfalaraindaanóshoje.
13.AlémdasuaimportanteligaçãocomtodaadoutrinasocialdaIgreja,aPopulorumprogressioestáintimamenteconexacomomagistérioglobaldePauloVIe,demodoparticular,comoseumagistériosocial.Degranderelevofoi,semdúvida,oseuensinamentosocial:reafirmouaexigênciaimprescindíveldoEvangelhoparaaconstruçãodasociedadesegundoliberdadeejustiça,naperspectivaidealehistóricadeumacivilizaçãoanimadapeloamor.PauloVIcompreendeuclaramentecomosetinhatornadomundialaquestãosocial[25]eviuacorrelaçãoentreoimpulsoàunificaçãodahumanidadeeoidealcristãodeumaúnicafamíliadospovos,solidárianafraternidadecomum.Indicouodesenvolvimento,humanaecristãmenteentendido,comoocoraçãodamensagemsocialcristãepropôsacaridadecristãcomoprincipalforçaaoserviçododesenvolvimento.MovidopelodesejodetornaroamordeCristoplenamentevisívelaohomemcontemporâneo,PauloVIenfrentoucomfirmezaimportantesquestõeséticas,semcederàsdebilidadesculturaisdoseutempo.
14.Depois,comacartaapostólicaOctogesimaadveniensde1971,PauloVItratouotemadosentidodapolíticaedoperigodevisõesutópicaseideológicasqueprejudicavamasuaqualidadeéticaehumana.Sãoargumentosestritamenterelacionadoscomodesenvolvimento.Infelizmenteasideologiasnegativasflorescemcontinuamente.Contraaideologiatecnocrática,hojeparticularmenteradicada,jáPauloVItinhaalertado[26],cientedograndeperigoqueeraconfiartodooprocessododesenvolvimentounicamenteàtécnica,porqueassimficariasemorientação.Atécnica,emsimesma,éambivalente.Se,porumlado,háhojequemsejapropensoaconfiar-lheinteiramentetalprocessodedesenvolvimento,poroutro,assiste-seàinvestidadeideologiasquenegamintotoaprópriautilidadedodesenvolvimento,consideradoradicalmenteanti-humanoeportadorsomentededegradação.Mas,destemodo,acaba-seporcondenarnãoapenasamaneiraerradaeinjustacomoporvezesoshomensorientamoprogresso,mastambémasdescobertascientíficasqueentretanto,sebemusadas,constituemumaoportunidadedecrescimentoparatodos.AideiadeummundosemdesenvolvimentoexprimefaltadeconfiançanohomemeemDeus.Porconseguinte,éumgraveerrodesprezarascapacidadeshumanasdecontrolarosextraviosdodesenvolvimentooumesmoignorarqueohomemestáconstitutivamenteinclinadopara«sermais».Absolutizarideologicamenteoprogressotécnicoouentãoafagarautopiadumahumanidadereconduzidaaoestadoorigináriodanaturezasãodoismodosopostosdesepararoprogressodasuaapreciaçãomorale,consequentemente,danossaresponsabilidade.
15.OutrosdoisdocumentosdePauloVI,emboranãoestritamenteligadoscomadoutrinasocial—aencíclicaHumanævitæ,de25deJulhode1968,eaexortaçãoapostólicaEvangeliinuntiandi,de8deDezembrode1975—,sãomuitoimportantesparadelinearosentidoplenamentehumanododesenvolvimentopropostopelaIgreja.PorissoéoportunolertambémestestextosemrelaçãocomaPopulorumprogressio.
AencíclicaHumanævitæsublinhaosignificadoconjuntamenteunitivoeprocriativodasexualidade,pondoassimcomofundamentodasociedadeocasaldeesposos,homememulher,queseacolhemreciprocamentenadistinçãoenacomplementaridade;umcasal,portanto,abertoàvida[27].Nãosetratadeumamoralmeramenteindividual:aHumanævitæindicaosforteslaçosexistentesentreéticadavidaeéticasocial,inaugurandoumatemáticadoMagistérioqueaospoucosfoitomandocorpoemváriosdocumentos,sendoomaisrecenteaencíclicaEvangeliumvitædeJoãoPauloII[28].AIgrejapropõe,comvigor,estaligaçãoentreéticadavidaeéticasocial,cientedequenãopode«tersólidasbasesumasociedadequeafirmavalorescomoadignidadedapessoa,ajustiçaeapaz,mascontradiz-seradicalmenteaceitandoetolerandoasmaisdiversasformasdedesprezoeviolaçãodavidahumana,sobretudosedébilemarginalizada»[29].
Porsuavez,aexortaçãoapostólicaEvangeliinuntianditemumarelaçãomuitofortecomodesenvolvimento,vistoque«aevangelização—escreviaPauloVI—nãoseriacompleta,senãotomasseemconsideraçãoainterpelaçãorecíprocaquesefazemconstantementeoEvangelhoeavidaconcreta,pessoalesocial,dohomem»[30].«Entreevangelizaçãoepromoçãohumana—desenvolvimento,libertação—existemdefactolaçosprofundos»[31]:partindodestacerteza,PauloVIilustravaclaramentearelaçãoentreoanúnciodeCristoeapromoçãodapessoanasociedade.OtestemunhodacaridadedeCristoatravésdeobrasdejustiça,pazedesenvolvimentofazpartedaevangelização,poisaJesusCristo,quenosama,interessaohomeminteiro.Sobreestesimportantesensinamentos,estáfundadooaspectomissionário[32]dadoutrinasocialdaIgrejacomoelementoessencialdeevangelização[33].AdoutrinasocialdaIgrejaéanúncioetestemunhodefé;éinstrumentoelugarimprescindíveldeeducaçãoparaamesma.
16.NaPopulorumprogressio,PauloVIquisdizer-nos,antesdemaisnada,queoprogressoé,nasuaorigemenasuaessência,umavocação:«NosdesígniosdeDeus,cadahomeméchamadoadesenvolver-se,porquetodaavidaévocação»[34].ÉprecisamenteestefactoquelegitimaaintervençãodaIgrejanasproblemáticasdodesenvolvimento.Seestetocasseapenasaspectostécnicosdavidadohomem,enãoosentidodoseucaminharnahistóriajuntamentecomseusirmãos,nemaindividuaçãodametadetalcaminho,aIgrejanãoteriatítuloparafalar.MasPauloVI,comoantesdeleLeãoXIIInaRerumnovarum[35],estavaconscientedecumprirumdeverprópriodoseuserviçoquandoiluminavacomaluzdoEvangelhoasquestõessociaisdoseutempo[36].
Dizerqueodesenvolvimentoévocaçãoequivaleareconhecer,porumlado,queomesmonascedeumapelotranscendentee,poroutro,queéincapazporsimesmodeatribuir-seoprópriosignificadoúltimo.Nãoésemmotivoqueapalavra«vocação»voltaaaparecernoutrapassagemdaencíclica,ondeseafirma:«Nãohá,portanto,verdadeirohumanismosenãooabertoaoAbsoluto,reconhecendoumavocaçãoqueexprimeaideiaexactadoqueéavidahumana»[37].EstavisãododesenvolvimentoéocoraçãodaPopulorumprogressioemotivatodasasreflexõesdePauloVIsobrealiberdade,averdadeeacaridadenodesenvolvimento.Étambémarazãoprincipalporquetalencíclicaaindaapareceactualnosnossosdias.
17.Avocaçãoéumapeloqueexigerespostalivreeresponsável.Odesenvolvimentohumanointegralsupõealiberdaderesponsáveldapessoaedospovos:nenhumaestruturapodegarantirtaldesenvolvimento,prescindindoesobrepondo-seàresponsabilidadehumana.Os«messianismosfascinantes,masconstrutoresdeilusões»[38]fundamsempreasprópriaspropostasnanegaçãodadimensãotranscendentedodesenvolvimento,segurosdeotereminteiramenteàsuadisposição.Estafalsasegurançaconverte-seemfraqueza,porqueimplicaasujeiçãodohomem,reduzidoàcategoriademeioparaodesenvolvimento,enquantoahumildadedequemacolheumavocaçãosetransformaemverdadeiraautonomia,porquetornaapessoalivre.PauloVInãotemdúvidassobreaexistênciadeobstáculosecondicionamentosquerefreiamodesenvolvimento,masestásegurotambémdeque«cadaum,sejamquaisforemasinfluênciasquesobreeleseexerçam,permaneceoartíficeprincipaldoseuêxitooudoseufracasso»[39].Estaliberdadedizrespeitonãosóaodesenvolvimentoqueusufruímos,mastambémàssituaçõesdesubdesenvolvimento,quenãosãofrutodoacasonemdeumanecessidadehistórica,masdependemdaresponsabilidadehumana.Éporissoque«ospovosdafomesedirigemhoje,demododramático,aospovosdaopulência»[40].Tambémistoévocação,umapeloquehomenslivresdirigemahomenslivresemordemaumaassunçãocomumderesponsabilidade.Vivaera,emPauloVI,apercepçãodaimportânciadasestruturaseconómicasedasinstituições,maseraigualmenteclaraneleanoçãodasuanaturezadeinstrumentosdaliberdadehumana.Somenteseforlivreéqueodesenvolvimentopodeserintegralmentehumano;apenasnumregimedeliberdaderesponsável,podecrescerdemaneiraadequada.
18.Alémderequereraliberdade,odesenvolvimentohumanointegralenquantovocaçãoexigetambémqueserespeiteasuaverdade.Avocaçãoaoprogressoimpeleoshomensa«realizar,conhecerepossuirmais,parasermais»[41].Masaquilevanta-seoproblema:quesignifica«sermais»?AtalperguntarespondePauloVIindicandoacaracterísticaessencialdo«desenvolvimentoautêntico»:este«deveserintegral,querdizer,promovertodososhomenseohomemtodo»[42].Naconcorrênciaentreasváriasconcepçõesdohomem,presentesnasociedadeactualaindamaisintensamentedoquenadePauloVI,avisãocristãtemapeculiaridadedeafirmarejustificarovalorincondicionaldapessoahumanaeosentidodoseucrescimento.Avocaçãocristãaodesenvolvimentoajudaaempenhar-senapromoçãodetodososhomensedohomemtodo.EscreviaPauloVI:«Oquecontaparanóséohomem,cadahomem,cadagrupodehomens,atésechegaràhumanidadeinteira»[43].Afécristãocupa-sedodesenvolvimentosemolharaprivilégiosnemposiçõesdepodernemmesmoaosméritosdoscristãos—quesemdúvidaexistirameexistem,apardenaturaislimitações[44]—,mascontandoapenascomCristo,aQuemhá-defazerreferênciatodaaautênticavocaçãoaodesenvolvimentohumanointegral.OEvangelhoéelementofundamentaldodesenvolvimento,porqueláCristo,com«aprópriarevelaçãodomistériodoPaiedoseuamor,revelaohomemasimesmo»[45].InstruídapeloseuSenhor,aIgrejaperscrutaossinaisdostemposeinterpreta-os,oferecendoaomundo«oquepossuicomopróprio:umavisãoglobaldohomemedahumanidade»[46].PrecisamenteporqueDeuspronunciaomaior«sim»aohomem[47],estenãopodedeixardeseabriràvocaçãodivinapararealizaroprópriodesenvolvimento.Averdadedodesenvolvimentoconsistenasuaintegralidade:senãoédesenvolvimentodohomemtodoedetodoohomem,nãoéverdadeirodesenvolvimento.EstaéamensagemcentraldaPopulorumprogressio,válidahojeesempre.Odesenvolvimentohumanointegralnoplanonatural,enquantorespostaaumavocaçãodeDeuscriador[48],procuraaprópriaautenticaçãonum«humanismotranscendente,queleva[ohomem]aatingirasuamaiorplenitude:taléafinalidadesupremadodesenvolvimentopessoal»[49].Portanto,avocaçãocristãataldesenvolvimentocompreendetantooplanonaturalcomooplanosobrenatural,motivoporque,«quandoDeusficaeclipsado,começaaesmoreceranossacapacidadedereconheceraordemnatural,ofimeo‘‘bem''»[50].
19.Finalmente,aconcepçãododesenvolvimentocomovocaçãoincluineleacentralidadedacaridade.PauloVIobservava,naencíclicaPopulorumprogressio,queascausasdosubdesenvolvimentonãosãoprimariamentedeordemmaterial,convidando-nosaprocurá-lasnoutrasdimensõesdohomem.Emprimeirolugar,navontade,quemuitasvezesdescuidaosdeveresdasolidariedade.Emsegundo,nopensamento,quenemsempresabeorientarconvenientementeoquerer;porisso,paraaprossecuçãododesenvolvimento,servem«pensadorescapazesdereflexãoprofunda,embuscadeumhumanismonovo,quepermitaaohomemmodernooencontrodesimesmo»[51].Enãoétudo;osubdesenvolvimentotemumacausaaindamaisimportantedoqueacarênciadepensamento:é«afaltadefraternidadeentreoshomenseentreospovos»[52].Estafraternidadepoderáumdiaserobtidapeloshomenssimplesmentecomassuasforças?Asociedadecadavezmaisglobalizadatorna-nosvizinhos,masnãonosfazirmãos.Arazão,porsisó,écapazdeveraigualdadeentreoshomenseestabelecerumaconvivênciacívicaentreeles,masnãoconseguefundarafraternidade.EstatemorigemnumavocaçãotranscendentedeDeusPai,quenosamouprimeiro,ensinando-nospormeiodoFilhooqueéacaridadefraterna.Aoapresentarosváriosníveisdoprocessodedesenvolvimentodohomem,PauloVIcolocavanovértice,depoisdetermencionadoafé,«aunidadenacaridadedeCristoquenoschamaatodosaparticiparcomofilhosnavidadoDeusvivo,Paidetodososhomens»[53].
20.AbertaspelaPopulorumprogressio,estasperspectivaspermanecemfundamentaisparadaramplitudeeorientaçãoaonossocompromissoafavordodesenvolvimentodospovos.EaPopulorumprogressiosublinharepetidamenteaurgênciadasreformas[54],pedindoparaque,àvistadosgrandesproblemasdainjustiçanodesenvolvimentodospovos,seactuecomcoragemesemdemora.Estaurgênciaéditadatambémpelacaridadenaverdade.ÉacaridadedeCristoquenosimpele:«caritasChristiurgetnos»(2Cor5,14).Aurgêncianãoestáinscritasónascoisas,nãoderivaapenasdoencalçardosacontecimentosedosproblemas,mastambémdoqueestáemjogo:arealizaçãodeumaautênticafraternidade.Arelevânciadesteobjectivoétalqueexigeanossadisponibilidadeparaocompreendermosprofundamenteemobilizarmo-nosconcretamente,como«coração»,afimdefazeravançarosactuaisprocessoseconómicosesociaisparametasplenamentehumanas.
CAPÍTULOII
ODESENVOLVIMENTOHUMANO
NONOSSOTEMPO
21.PauloVItinhaumavisãoarticuladadodesenvolvimento.Comotermo«desenvolvimento»,queriaindicar,antesdemaisnada,oobjectivodefazersairospovosdafome,damiséria,dasdoençasendémicasedoanalfabetismo.Istosignificava,dopontodevistaeconómico,asuaparticipaçãoactivaeemcondiçõesdeigualdadenoprocessoeconómicointernacional;dopontodevistasocial,asuaevoluçãoparasociedadesinstruídasesolidárias;dopontodevistapolítico,aconsolidaçãoderegimesdemocráticoscapazesdeasseguraraliberdadeeapaz.Depoisdetantosanoseenquantocontemplamos,preocupados,asevoluçõeseasperspectivasdascrisesqueforamsucedendonesteperíodo,interrogamo-nosatéquepontoasexpectativasdePauloVItenhamsidosatisfeitaspelomodelodedesenvolvimentoquefoiadoptadonosúltimosdecénios.EreconhecemosqueeramfundadasaspreocupaçõesdaIgrejaacercadascapacidadesdohomemmeramentetecnológicoconseguirimpor-seobjectivosrealistasesabergerir,sempreadequadamente,osinstrumentosàsuadisposição.Olucroéútilse,comomeio,fororientadoparaumfimquelheindiqueosentidoeomodocomooproduzireutilizar.Oobjectivoexclusivodelucro,quandomalproduzidoesemtercomofimúltimoobemcomum,arrisca-seadestruirriquezaecriarpobreza.OdesenvolvimentoeconómicodesejadoporPauloVIdeviasercapazdeproduzirumcrescimentoreal,extensivoatodoseconcretamentesustentável.Éverdadequeodesenvolvimentofoiecontinuaaserumfactorpositivo,quetiroudamisériamilhõesdepessoase,ultimamente,deuamuitospaísesapossibilidadedesetornaremactoreseficazesdapolíticainternacional.Todaviaháquereconhecerqueoprópriodesenvolvimentoeconómicofoiecontinuaasermolestadoporanomaliaseproblemasdramáticos,evidenciadosaindamaispelaactualsituaçãodecrise.Estacoloca-nosimprorrogavelmentediantedeopçõesquedizemrespeitosempremaisaoprópriodestinodohomem,oqualaliásnãopodeprescindirdasuanatureza.Asforçastécnicasemcampo,asinter-relaçõesanívelmundial,osefeitosdeletériossobreaeconomiarealdumaactividadefinanceiramalutilizadaemaioritariamenteespeculativa,osimponentesfluxosmigratórios,comfrequênciaprovocadosedepoisnãogeridosadequadamente,aexploraçãodesregradadosrecursosdaterra,induzem-noshojeareflectirsobreasmedidasnecessáriasparadarsoluçãoaproblemasquesãonãoapenasnovosrelativamenteaosenfrentadospeloPapaPauloVI,mastambémesobretudocomimpactodecisivonobempresenteefuturodahumanidade.Osaspectosdacriseedassuassoluçõesbemcomodeumpossívelnovodesenvolvimentofuturoestãocadavezmaisinterdependentes,implicam-sereciprocamente,requeremnovosesforçosdeenquadramentoglobaleumanovasíntesehumanista.Acomplexidadeegravidadedasituaçãoeconómicaactualpreocupa-nos,comtodaajustiça,masdevemosassumircomrealismo,confiançaeesperançaasnovasresponsabilidadesaquenoschamaocenáriodeummundoquetemnecessidadedumarenovaçãoculturalprofundaedaredescobertadevaloresfundamentaisparaconstruirsobreelesumfuturomelhor.Acriseobriga-nosaprojectardenovoonossocaminho,aimpor-nosregrasnovaseencontrarnovasformasdeempenhamento,aapostaremexperiênciaspositivaserejeitarasnegativas.Assim,acrisetorna-seocasiãodediscernimentoeelaboraçãodenovaplanificação.Comestachave,feitamaisdeconfiançaqueresignação,convémenfrentarasdificuldadesdahoraactual.
22.Actualmenteoquadrododesenvolvimentoépolicêntrico.Osactoreseascausastantodosubdesenvolvimentocomododesenvolvimentosãomúltiplas,asculpaseosméritossãodiferenciados.Estedadodeveriainduziralibertar-sedasideologiasquesimplificam,deformafrequentementeartificiosa,arealidade,elevaraexaminarcomobjectividadeaespessurahumanadosproblemas.HojealinhadedemarcaçãoentrepaísesricosepobresjánãoétãonítidacomonostemposdaPopulorumprogressio,comoaliásfoiassinaladoporJoãoPauloII[55].Cresceariquezamundialemtermosabsolutos,masaumentamasdesigualdades.Nospaísesricos,novascategoriassociaisempobrecemenascemnovaspobrezas.Emáreasmaispobres,algunsgruposgozamdumaespéciedesuperdesenvolvimentodissipadoreconsumistaquecontrasta,demodoinadmissível,comperduráveissituaçõesdemisériadesumanizadora.Continua«oescândalodedesproporçõesrevoltantes»[56].Infelizmenteacorrupçãoeailegalidadeestãopresentestantonocomportamentodesujeitoseconómicosepolíticosdospaísesricos,antigosenovos,comonosprópriospaísespobres.Nonúmerodequantosnãorespeitamosdireitoshumanosdostrabalhadores,contam-seàsvezesgrandesempresastransnacionaisetambémgruposdeproduçãolocal.Asajudasinternacionaisforammuitasvezesdesviadasdassuasfinalidades,porirresponsabilidadesqueseescondemtantonacadeiadossujeitosdoadorescomonadosbeneficiários.Tambémnoâmbitodascausasimateriaisouculturaisdodesenvolvimentoedosubdesenvolvimentopodemosencontraramesmaarticulaçãoderesponsabilidades:existemformasexcessivasdeprotecçãodoconhecimentoporpartedospaísesricos,atravésdumautilizaçãodemasiadorígidadodireitodepropriedadeintelectual,especialmentenocamposanitário;aomesmotempo,emalgunspaísespobres,persistemmodelosculturaisenormassociaisdecomportamentoqueretardamoprocessodedesenvolvimento.
23.Temoshojemuitasáreasdogloboque—deformaporvezesproblemáticaenãohomogénea—evoluíram,entrandonacategoriadasgrandespotênciasdestinadasajogarumpapelimportantenofuturo.Contudoháquesublinharquenãoésuficienteprogredirdopontodevistaeconómicoetecnológico;éprecisoqueodesenvolvimentoseja,antesdemaisnada,verdadeiroeintegral.Asaídadoatrasoeconómico—umdadoemsimesmopositivo—nãoresolveacomplexaproblemáticadapromoçãodohomemnemnospaísesprotagonistasdetaisavanços,nemnospaíseseconomicamentejádesenvolvidos,nemnospaísesaindapobresque,alémdasantigasformasdeexploração,podemvirasofrertambémasconsequênciasnegativasderivadasdeumcrescimentomarcadopordesviosedesequilíbrios.
DepoisdaquedadossistemaseconómicosepolíticosdospaísescomunistasdaEuropaOrientaledofimdoschamados«blocoscontrapostos»,havianecessidadedumarevisãoglobaldodesenvolvimento.Pedira-oJoãoPauloII,queem1987tinhaindicadoaexistênciadestes«blocos»comoumadasprincipaiscausasdosubdesenvolvimento[57],enquantoapolíticasubtraíarecursosàeconomiaeàculturaeaideologiainibiaaliberdade.Em1991,nasequênciadosacontecimentosdoano1989,oPontíficepediuqueofimdos«blocos»fosseseguidoporumanovaplanificaçãoglobaldodesenvolvimento,nãosóemtaispaíses,mastambémnoOcidenteenasregiõesdomundoqueestavamaevoluir[58].Isto,porém,realizou-seapenasparcialmente,continuandoaserumaobrigaçãorealqueprecisadesersatisfeita,talvezaproveitando-seprecisamentedasopçõesnecessáriasparasuperarosproblemaseconómicosactuais.
24.Omundo,quePauloVItinhadiantedosolhos,registavamuitomenorintegraçãodoquehoje,emboraoprocessodesociabilizaçãoseapresentassejátãoadiantadoqueelepôdefalardeumaquestãosocialtornadamundial.Actividadeeconómicaefunçãopolíticadesenrolavam-seemgrandepartedentrodomesmoâmbitolocale,porconseguinte,podiaminspirarrecíprocaconfiança.Aactividadeprodutivatinhalugarprevalentementedentrodasfronteirasnacionaiseosinvestimentosfinanceirostinhamumacirculaçãobastantelimitadaparaoestrangeiro,detalmodoqueapolíticademuitosEstadospodiaaindafixarasprioridadesdaeconomiae,dealgumamaneira,governaroseuandamentocomosinstrumentosdequeaindadispunha.Porestemotivo,aPopulorumprogressioatribuíaumpapelcentral,emboranãoexclusivo,aos«poderespúblicos»[59].
Actualmente,oEstadoencontra-senasituaçãodeterdeenfrentaraslimitaçõesquelhesãoimpostasàsuasoberaniapelonovocontextoeconómicocomercialefinanceirointernacional,caracterizadonomeadamenteporumacrescentemobilidadedoscapitaisfinanceirosedosmeiosdeproduçãomateriaiseimateriais.EstenovocontextoalterouopoderpolíticodosEstados.
Hoje,aproveitandoinclusivamentealiçãoresultantedacriseeconómicaemcursoquevêospoderespúblicosdoEstadodirectamenteempenhadosacorrigirerrosedisfunções,parecemaisrealistaumarenovadaavaliaçãodoseupapelepoder,quehão-desersapientementereconsideradosereavaliadosparasetornaremcapazes,mesmoatravésdenovasmodalidadesdeexercício,defazerfrenteaosdesafiosdomundoactual.Comumafunçãomelhorcalibradadospoderespúblicos,éprevisívelquesejamreforçadasasnovasformasdeparticipaçãonapolíticanacionaleinternacionalqueserealizamatravésdaacçãodasorganizaçõesoperantesnasociedadecivil;nestalinha,édesejávelquecresçamumaatençãoeumaparticipaçãomaissentidasnarespublicaporpartedoscidadãos.
25.Dopontodevistasocial,ossistemasdesegurançaeprevidência—jápresentesemmuitospaísesnostemposdePauloVI—sentemdificuldade,epoderãosenti-laaindamaisnofuturo,emalcançarosseusobjectivosdeverdadeirajustiçasocialdentrodeumquadrodeforçasprofundamentealterado.Omercado,àmedidaquesefoitornandoglobal,estimulouantesdemaisnada,porpartedepaísesricos,abuscadeáreasparaondedeslocarasactividadesprodutivasabaixocustoafimdereduzirospreçosdemuitosbens,aumentaropoderdecompraedestemodoaceleraroíndicededesenvolvimentocentradosobreummaiorconsumopeloprópriomercadointerno.Consequentemente,omercadomotivounovasformasdecompetiçãoentreEstadosprocurandoatraircentrosprodutivosdeempresasestrangeirasatravésdevariadosinstrumentostaiscomoimpostosfavoráveiseadesregulamentaçãodomundodotrabalho.Estesprocessosimplicaramareduçãodasredesdesegurançasocialemtrocademaioresvantagenscompetitivasnomercadoglobal,acarretandograveperigoparaosdireitosdostrabalhadores,osdireitosfundamentaisdohomemeasolidariedadeactuadanasformastradicionaisdoEstadosocial.Ossistemasdesegurançasocialpodemperderacapacidadededesempenharasuafunção,quernospaísesemergentes,quernosdesenvolvidoshámaistempo,quernaturalmentenospaísespobres.Aqui,aspolíticasrelativasaoorçamentocomosseuscortesnadespesasocial,muitasvezesfomentadospelasprópriasinstituiçõesfinanceirasinternacionais,podemdeixaroscidadãosimpotentesdiantederiscosantigosenovos;etalimpotênciatorna-seaindamaiordevidoàfaltadeprotecçãoeficazporpartedasassociaçõesdostrabalhadores.Oconjuntodasmudançassociaiseeconómicasfazcomqueasorganizaçõessindicaissintammaioresdificuldadesnodesempenhodoseudeverderepresentarosinteressesdostrabalhadores,inclusivepelofactodeosgovernos,porrazõesdeutilidadeeconómica,muitasvezeslimitaremasliberdadessindicaisouacapacidadenegociadoradosprópriossindicatos.Assim,asredestradicionaisdesolidariedadeencontramobstáculoscadavezmaioresasuperar.Porisso,oconvitefeitopeladoutrinasocialdaIgreja,acomeçardaRerumnovarum[60],parasecriaremassociaçõesdetrabalhadoresemdefesadosseusdireitoshá-deserhonrado,hojeaindamaisdoqueontem,dandoantesdemaisnadaumarespostaprontaeclarividenteàurgênciadeinstaurarnovassinergiasanívelinternacional,semdescuraronívellocal.
Amobilidadelaboral,associadaàgeneralizadadesregulamentação,constituiuumfenómenoimportante,nãodesprovidodeaspectospositivosporquecapazdeestimularaproduçãodenovariquezaeointercâmbioentreculturasdiversas.Todavia,quandosetornaendémicaaincertezasobreascondiçõesdetrabalho,resultantedosprocessosdemobilidadeedesregulamentação,geram-seformasdeinstabilidadepsicológica,comdificuldadeaconstruirpercursoscoerentesnaprópriavida,incluindoopercursorumoaomatrimónio.Consequênciadistoéoaparecimentodesituaçõesdedegradaçãohumana,alémdedesperdíciodeforçasocial.Comparadocomoquesucedianasociedadeindustrialdopassado,hojeodesempregoprovocaaspectosnovosdeirrelevânciaeconómicadoindivíduo,eacriseactualpodeapenaspiorartalsituação.Aexclusãodotrabalhopormuitotempoouentãoumaprolongadadependênciadaassistênciapúblicaouprivadacorroemaliberdadeeacriatividadedapessoaeassuasrelaçõesfamiliaresesociais,causandoenormessofrimentosanívelpsicológicoeespiritual.Queriarecordaratodos,sobretudoaosgovernantesqueestãoempenhadosadarumperfilrenovadoaossistemaseconómicosesociaisdomundo,queoprimeirocapitalapreservarevalorizaréohomem,apessoa,nasuaintegridade:«comefeito,ohomeméoprotagonista,ocentroeofimdetodaavidaeconómico-social»[61].
26.Noplanocultural,asdiferenças,relativamenteaostemposdePauloVI,sãoaindamaisacentuadas.Então,asculturasapresentavam-sebastantebemdefinidasetinhammaiorespossibilidadesparasedefenderdastentativasdehomogeneizaçãocultural.Hoje,cresceramnotavelmenteaspossibilidadesdeinteracçãodasculturas,dandoespaçoanovasperspectivasdediálogointercultural;umdiálogoque,parasereficaz,devetercomopontodepartidaumaprofundanoçãodaespecíficaidentidadedosváriosinterlocutores.Noentanto,nãosedevedescurarofactodequeestaaumentadatransacçãodeintercâmbiosculturaistrazconsigo,actualmente,umduploperigo.Emprimeirolugar,nota-seumecletismoculturalassumidomuitasvezessemdiscernimento:asculturassãosimplesmentepostasladoaladoevistascomosubstancialmenteequivalenteseintercambiáveisumascomasoutras.Istofavoreceacedênciaaumrelativismoquenãoajudaaoverdadeirodiálogointercultural;noplanosocial,orelativismoculturalfazcomqueosgruposculturaissejuntemouconvivam,masseparados,semautênticodiálogoe,consequentemente,semverdadeiraintegração.Depois,temosoperigoopostoqueéconstituídopelonivelamentoculturaleahomogeneizaçãodoscomportamentoseestilosdevida.Assimperde-seosignificadoprofundodaculturadasdiversasnações,dastradiçõesdosváriospovos,noâmbitodasquaisapessoaseconfrontacomasquestõesfundamentaisdaexistência[62].Ecletismoenivelamentoculturalconvergemnofactodesepararaculturadanaturezahumana.Assim,asculturasdeixamdesaberencontrarasuamedidanumanaturezaqueastranscende[63],acabandoporreduzirohomemasimplesdadocultural.Quandoistoacontece,ahumanidadecorrenovosperigosdeservidãoemanipulação.
27.Emmuitospaísespobres,continua—comriscodeaumentar—umainsegurançaextremadevida,quederivadacarênciadealimentação:afomeceifaaindainúmerasvítimasentreosmuitosLázaros,aquemnãoépermitido—comoesperaraPauloVI—sentar-seàmesadoricoavarento[64].Dardecomeraosfamintos(cf.Mt25,35.37.42)éumimperativoéticoparatodaaIgreja,queérespostaaosensinamentosdesolidariedadeepartilhadoseuFundador,oSenhorJesus.Alémdisso,eliminarafomenomundotornou-se,naeradaglobalização,tambémumobjectivoaalcançarparapreservarapazeasubsistênciadaterra.Afomenãodependetantodeumaescassezmaterial,comosobretudodaescassezderecursossociais,omaisimportantedosquaisédenaturezainstitucional;istoé,faltaumsistemadeinstituiçõeseconómicasquesejacapazdegarantirumacessoregulareadequado,dopontodevistanutricional,àalimentaçãoeàáguaetambémdeenfrentarascarênciasrelacionadascomasnecessidadesprimáriasecomaemergênciadereaiseverdadeirascrisesalimentaresprovocadasporcausasnaturaisoupelairresponsabilidadepolíticanacionaleinternacional.Oproblemadainsegurançaalimentarhá-deserenfrentadonumaperspectivaalongoprazo,eliminandoascausasestruturaisqueoprovocamepromovendoodesenvolvimentoagrícoladospaísesmaispobrespormeiodeinvestimentoseminfra-estruturasrurais,sistemasdeirrigação,transportes,organizaçãodosmercados,formaçãoedifusãodetécnicasagrícolasapropriadas,istoé,capazesdeutilizaromelhorpossívelosrecursoshumanos,naturaisesócio-económicosmaisacessíveisanívellocal,paragarantirasuamanutençãoalongoprazo.Tudoistohá-deserrealizado,envolvendoascomunidadeslocaisnasopçõesenasdecisõesrelativasaousodaterracultivável.Nestaperspectiva,poderiarevelar-seútilconsiderarasnovasfronteirasabertasporumcorrectoempregodastécnicasdeproduçãoagrícola,tantoastradicionaiscomoasinovadoras,desdequeasmesmastenhamsido,depoisdeadequadaverificação,reconhecidasoportunas,respeitadorasdoambienteetendoemcontaaspopulaçõesmaisdesfavorecidas.Aomesmotemponãodeveriasertranscuradaaquestãodeumaequitativareformaagrárianospaísesemviasdedesenvolvimento.Osdireitosàalimentaçãoeàáguarevestemumpapelimportanteparaaconsecuçãodeoutrosdireitos,acomeçarpelodireitoprimárioàvida.Porisso,énecessárioamaturaçãodumaconsciênciasolidáriaqueconsidereaalimentaçãoeoacessoàáguacomodireitosuniversaisdetodosossereshumanos,semdistinçõesnemdiscriminações[65].Alémdisso,éimportantepôremevidênciaqueocaminhodasolidariedadecomodesenvolvimentodospaísespobrespodeconstituirumprojectodesoluçãoparaapresentecriseglobal,comohomenspolíticoseresponsáveisdeinstituiçõesinternacionaistêmintuídonosúltimostempos.Sustentando,atravésdeplanosdefinanciamentoinspiradospelasolidariedade,ospaíseseconomicamentepobres,paraqueprovejamelesmesmosàsatisfaçãodassolicitaçõesdebensdeconsumoededesenvolvimentodospróprioscidadãos,épossívelnãoapenasgerarverdadeirocrescimentoeconómicomastambémconcorrerparasustentarascapacidadesprodutivasdospaísesricosquecorremoriscodeficarcomprometidaspelacrise.
28.Umdosaspectosmaisevidentesdodesenvolvimentoactualéaimportânciadotemadorespeitopelavida,quenãopodeserdemodoalgumseparadodasquestõesrelativasaodesenvolvimentodospovos.Trata-sedeumaspectoque,nosúltimostempos,estáaassumirumarelevânciasempremaior,obrigando-nosaalargarosconceitosdepobreza[66]esubdesenvolvimentoàsquestõesrelacionadascomoacolhimentodavida,sobretudoondeomesmoédeváriasmaneirasimpedido.
Nãosóasituaçãodepobrezaprovocaaindaaltastaxasdemortalidadeinfantilemmuitasregiões,masperduramtambém,emváriaspartesdomundo,práticasdecontroledemográficoporpartedosgovernos,quemuitasvezesdifundemacontracepçãoechegammesmoaimporoaborto.Nospaíseseconomicamentemaisdesenvolvidos,sãomuitodifusasaslegislaçõescontráriasàvida,condicionandojáocostumeeapráxisecontribuindoparadivulgarumamentalidadeantinatalistaquemuitasvezesseprocuratransmitiraoutrosEstadoscomosefosseumprogressocultural.
Tambémalgumasorganizaçõesnãogovernamentaistrabalhamactivamentepeladifusãodoaborto,promovendonospaísespobresaadopçãodapráticadaesterilização,mesmosemasmulheresosaberem.Alémdisso,háafundadasuspeitadequeàsvezesasprópriasajudasaodesenvolvimentosejamassociadascomdeterminadaspolíticassanitáriasquerealmenteimplicamaimposiçãodeumfortecontroledosnascimentos.Igualmentepreocupantessãoaslegislaçõesqueprevêemaeutanásiaeaspressõesdegruposnacionaiseinternacionaisquereivindicamoseureconhecimentojurídico.
Aaberturaàvidaestánocentrodoverdadeirodesenvolvimento.Quandoumasociedadecomeçaanegareasuprimiravida,acabapordeixardeencontrarasmotivaçõeseenergiasnecessáriasparatrabalharaoserviçodoverdadeirobemdohomem.Seseperdeasensibilidadepessoalesocialaoacolhimentodumanovavida,definhamtambémoutrasformasdeacolhimentoúteisàvidasocial[67].Oacolhimentodavidarevigoraasenergiasmoraisetorna-noscapazesdeajudarecíproca.Ospovosricos,cultivandoaaberturaàvida,podemcompreendermelhorasnecessidadesdospaísespobres,evitaroempregodeenormesrecursoseconómicoseintelectuaisparasatisfazerdesejosegoístasdospróprioscidadãosepromover,aoinvés,acçõesvirtuosasnaperspectivadumaproduçãomoralmentesadiaesolidária,norespeitododireitofundamentaldecadapovoedecadapessoaàvida.
29.Outroaspectodavidaactual,intimamenterelacionadocomodesenvolvimento,éanegaçãododireitoàliberdadereligiosa.Nãomerefirosóàslutaseconflitosqueaindasedisputamnomundopormotivaçõesreligiosas,emboraestasàsvezessejamapenasacoberturapararazõesdeoutrogénero,taiscomoasedededomínioederiqueza.Narealidade,comfrequênciahojesefazapeloaosantonomedeDeusparamatar,comodiversasvezesfoisublinhadoedeploradopublicamentepelomeupredecessorJoãoPauloIIepormimpróprio[68].Asviolênciasrefreiamodesenvolvimentoautênticoeimpedemaevoluçãodospovosparaumbem-estarsócio-económicoeespiritualmaior.Istoaplica-sedemodoespecialaoterrorismodeíndolefundamentalista[69],quegerasofrimento,devastaçãoemorte,bloqueiaodiálogoentreasnaçõesedesviagrandesrecursosdoseuusopacíficoecivil.Masháqueacrescentarque,seofanatismoreligiosoimpedeemalgunscontextosoexercíciododireitodeliberdadedereligião,tambémapromoçãoprogramadadaindiferençareligiosaoudoateísmopráticoporpartedemuitospaísescontrastacomasnecessidadesdodesenvolvimentodospovos,subtraindo-lhesrecursosespirituaisehumanos.Deuséogarantedoverdadeirodesenvolvimentodohomem,jáque,tendo-ocriadoàsuaimagem,fundamentadeigualformaasuadignidadetranscendenteealimentaoseuanseioconstitutivode«sermais».Ohomemnãoéumátomoperdidonumuniversocasual[70],maséumacriaturadeDeus,àqualquisdarumaalmaimortalequedesdesempreamou.Seohomemfossefrutoapenasdoacasooudanecessidade,seassuasaspiraçõestivessemdereduzir-seaohorizonterestritodassituaçõesemquevive,setudofossesomentehistóriaeculturaeohomemnãotivesseumanaturezadestinadaatranscender-senumavidasobrenatural,entãopoder-se-iafalardeincrementooudeevolução,masnãodedesenvolvimento.QuandooEstadopromove,ensinaouatéimpõeformasdeateísmoprático,tiraaosseuscidadãosaforçamoraleespiritualindispensávelparaseempenharnodesenvolvimentohumanointegraleimpede-osdeavançaremcomrenovadodinamismonoprópriocompromissodeumarespostahumanamaisgenerosaaoamordivino[71].Sucedetambémqueospaíseseconomicamentedesenvolvidosouosemergentesexportemparaospaísespobres,noâmbitodassuasrelaçõesculturais,comerciaisepolíticas,estavisãoredutivadapessoaedoseudestino.Éodanoqueo«superdesenvolvimento»[72]acarretaaodesenvolvimentoautêntico,quandoéacompanhadopelo«subdesenvolvimentomoral»[73].
30.Nestalinha,otemadodesenvolvimentohumanointegralatingeumpontoaindamaiscomplexo:acorrelaçãoentreosseusvárioselementosrequerquenosempenhemosporfazerinteragirosdiversosníveisdosaberhumanotendoemvistaapromoçãodeumverdadeirodesenvolvimentodospovos.Muitasvezespensa-sequeodesenvolvimentoouasrelativasmedidassócio-económicasnecessitamapenasdeserpostosempráticacomofrutodeumagircomum,ignorandoqueesteagircomumprecisadeserorientado,porque«todaaacçãosocialimplicaumadoutrina»[74].Vistaacomplexidadedosproblemas,éóbvioqueasváriasdisciplinasdevemcolaboraratravésdeumaordenadainterdisciplinaridade.Acaridadenãoexcluiosaber,antesreclama-o,promove-oeanima-oapartirdedentro.Osabernuncaéobraapenasdainteligência;pode,semdúvida,serreduzidoacálculoeaexperiência,massequersersapiênciacapazdeorientarohomemàluzdosprincípiosprimeirosedosseusfinsúltimos,deveser«temperado»como«sal»dacaridade.Aacçãoécegasemosaber,eesteéestérilsemoamor.Defacto,«aquelequeestáanimadodeverdadeiracaridadeéengenhosoemdescobrirascausasdamiséria,encontrarosmeiosdeacombaterevencê-laresolutamente»[75].Relativamenteaosfenómenosqueanalisamos,acaridadenaverdaderequer,antesdemaisnada,conhecerecompreendernorespeitoconscienciosodacompetênciaespecíficadecadaníveldosaber.Acaridadenãoéumajunçãoposterior,comosefosseumapêndiceaotrabalhojáconcluídodasváriasdisciplinas,masdialogacomelasdesdeoinício.Asexigênciasdoamornãocontradizemasdarazão.Osaberhumanoéinsuficienteeasconclusõesdasciênciasnãopoderãosozinhasindicarocaminhoparaodesenvolvimentointegraldohomem.Sempreéprecisolançar-semaisalém:exige-oacaridadenaverdade[76].Todaviairmaisalémnuncasignificaprescindirdasconclusõesdarazão,nemcontradizerosseusresultados.Nãoapareceainteligênciaedepoisoamor:háoamorricodeinteligênciaeainteligênciacheiadeamor.
31.Istosignificaqueasponderaçõesmoraiseapesquisacientíficadevemcrescerjuntasequeacaridadeasdeveanimarnumtodointerdisciplinarharmónico,feitodeunidadeedistinção.AdoutrinasocialdaIgreja,quetem«umaimportantedimensãointerdisciplinar»[77],podedesempenhar,nestaperspectiva,umafunçãodeextraordináriaeficácia.Elapermiteàfé,àteologia,àmetafísicaeàsciênciasencontraremoprópriolugarnoâmbitodeumacolaboraçãoaoserviçodohomem;ésobretudoaquiqueadoutrinasocialdaIgrejaactuaasuadimensãosapiencial.PauloVItinhavistoclaramenteque,entreascausasdosubdesenvolvimento,conta-seumacarênciadesabedoria,dereflexão,depensamentocapazderealizarumasínteseorientadora[78],querequer«umavisãoclaradetodososaspectoseconómicos,sociais,culturaiseespirituais»[79].Aexcessivafragmentaçãodosaber[80],oisolamentodasciênciashumanasrelativamenteàmetafísica[81],asdificuldadesnodiálogoentreasciênciaseateologiadanificamnãosóoavançodosabermastambémodesenvolvimentodospovos,porque,quandoissoseverifica,ficaobstaculizadaavisãodobemcompletodohomemnasváriasdimensõesqueocaracterizam.Éindispensávelo«alargamentodonossoconceitoderazãoedousodamesma»[82]paraseconseguirsopesaradequadamentetodosostermosdaquestãododesenvolvimentoedasoluçãodosproblemassócio-económicos.
32.Asgrandesnovidades,queoquadroactualdodesenvolvimentodospovosapresenta,exigememmuitoscasosnovassoluções.Estashão-deserprocuradasconjuntamentenorespeitodasleisprópriasdecadarealidadeeàluzdumavisãointegraldohomem,queespelheosváriosaspectosdapessoahumana,contempladacomoolharpurificadopelacaridade.Descobrir-se-ãoentãosingularesconvergênciaseconcretaspossibilidadesdesolução,semrenunciaraqualquercomponentefundamentaldavidahumana.
Adignidadedapessoaeasexigênciasdajustiçarequerem,sobretudohoje,queasopçõeseconómicasnãofaçamaumentar,deformaexcessivaemoralmenteinaceitável,asdiferençasderiqueza[83]equesecontinueaperseguircomoprioritáriooobjectivodoacessoaotrabalhoparatodos,oudasuamanutenção.Bemvistasascoisas,istoéexigidotambémpela«razãoeconómica».Oaumentosistemáticodasdesigualdadesentregrupossociaisnointeriordeummesmopaíseentreaspopulaçõesdosdiversospaíses,ouseja,oaumentomaciçodapobrezaemsentidorelativo,tendenãosóaminaracoesãosocial—e,porestecaminho,põeemriscoademocracia—,mastemtambémumimpactonegativonoplanoeconómicocomaprogressivacorrosãodo«capitalsocial»,istoé,daqueleconjuntoderelaçõesdeconfiança,decredibilidade,derespeitodasregras,indispensáveisemqualquerconvivênciacivil.
Eéaindaaciênciaeconómicaadizer-nosqueumasituaçãoestruturaldeinsegurançageracomportamentosantiprodutivosededesperdícioderecursoshumanos,jáqueotrabalhadortendeaadaptar-sepassivamenteaosmecanismosautomáticos,emvezdedarlargasàcriatividade.Tambémnestepontoseverificaumaconvergênciaentreciênciaeconómicaeponderaçãomoral.Oscustoshumanossãosempretambémcustoseconómicos,easdisfunçõeseconómicasacarretamsempretambémcustoshumanos.
Háaindaquerecordarqueonivelamentodasculturasàdimensãotecnológica,seacurtoprazopodefavoreceraobtençãodelucros,alongoprazodificultaoenriquecimentorecíprocoeasdinâmicasdecooperação.Éimportantedistinguirentreconsideraçõeseconómicasousociológicasacurtoprazoealongoprazo.Adiminuiçãodoníveldetuteladosdireitosdostrabalhadoresouarenúnciaamecanismosderedistribuiçãodorendimento,parafazeropaísganharmaiorcompetitividadeinternacional,impedeaafirmaçãodeumdesenvolvimentodelongaduração.Porisso,háqueavaliaratentamenteasconsequênciasquepodemtersobreaspessoasastendênciaactuaisparaumaeconomiaacurtosenãomesmocurtíssimoprazo.Istorequerumanovaeprofundareflexãosobreosentidodaeconomiaedosseusfins[84],bemcomoumarevisãoprofundaeclarividentedomodelodedesenvolvimento,parasecorrigiremassuasdisfunçõesedesvios.Narealidade,exige-ooestadodesaúdeecológicadaterra;pede-osobretudoacriseculturalemoraldohomem,cujossintomassãoevidentesportodaaparte.
33.PassadosmaisdequarentaanosdapublicaçãodaPopulorumprogressio,oseutemadefundo—precisamenteoprogresso—permaneceaindaumproblemaemaberto,quesetornoumaisagudoeprementecomacriseeconómico-financeiraemcurso.Sealgumasáreasdoglobo,outroraoprimidaspelapobreza,registarammudançasnotáveisemtermosdecrescimentoeconómicoedeparticipaçãonaproduçãomundial,háoutraszonasquevivemaindanumasituaçãodemisériacomparávelàexistentenostemposdePauloVI;antes,emqualquercasopode-semesmofalardeagravamento.ÉsignificativoquealgumascausasdestasituaçãotivessemsidojáidentificadasnaPopulorumprogressio,como,porexemplo,asaltastarifasaduaneirasimpostaspelospaíseseconomicamentedesenvolvidosqueaindaimpedemaosprodutosorigináriosdospaísespobresdechegaraosmercadosdospaísesricos.Entretanto,outrascausasqueaencíclicatinhaapenaspressentido,apareceramdepoiscommaiorevidência;éocasodaavaliaçãodoprocessodedescolonização,entãoemplenocurso.PauloVIalmejavaumpercursodeautonomiaquehaviaderealizar-senaliberdadeenapaz;quarentaanosdepois,temosdereconhecercomofoidifíciltalpercurso,tantoporcausadenovasformasdecolonialismoedependênciadeantigosenovospaíseshegemónicos,comoporgravesirresponsabilidadesinternasaosprópriospaísesquesetornaramindependentes.
Anovidadeprincipalfoiaexplosãodainterdependênciamundial,jáconhecidacomummenteporglobalização.PauloVItinha-aemparteprevisto,masostermoseaimpetuosidadecomqueaquelaevoluiusãosurpreendentes.Nascidonoâmbitodospaíseseconomicamentedesenvolvidos,esteprocessoporsuapróprianaturezacausouumenvolvimentodetodasaseconomias.Foiomotorprincipalparaasaídadosubdesenvolvimentoderegiõesinteirase,porsimesmo,constituiumagrandeoportunidade.Contudo,semaguiadacaridadenaverdade,esteímpetomundialpodeconcorrerparacriarriscosdedanosatéagoradesconhecidosedenovasdivisõesnafamíliahumana.Porisso,acaridadeeaverdadecolocamdiantedenósumcompromissoinéditoecriativo,semdúvidamuitovastoecomplexo.Trata-sededilatararazãoetorná-lacapazdeconhecereorientarestasnovaseimponentesdinâmicas,animando-asnaperspectivadaquela«civilizaçãodoamor»,cujasementeDeuscolocouemtodoopovoecultura.
CAPÍTULOIII
FRATERNIDADE,
DESENVOLVIMENTOECONÓMICO
ESOCIEDADECIVIL
34.Acaridadenaverdadecolocaohomemperanteaadmirávelexperiênciadodom.Agratuidadeestápresentenasuavidasobmúltiplasformas,quefrequentementelhepassamdespercebidasporcausadumavisãomeramenteprodutivaeutilaristadaexistência.Oserhumanoestáfeitoparaodom,queexprimeerealizaasuadimensãodetranscendência.Porvezesohomemmodernoconvence-se,erroneamente,dequeéoúnicoautordesimesmo,dasuavidaedasociedade.Trata-sedeumapresunção,resultantedoencerramentoegoístaemsimesmo,queprovém—sequeremosexprimi-loemtermosdefé—dopecadodasorigens.Nasuasabedoria,aIgrejasemprepropôsquesetivesseemcontaopecadooriginalmesmonainterpretaçãodosfenómenossociaisenaconstruçãodasociedade.«Ignorarqueohomemtemumanaturezaferida,inclinadaparaomal,dálugaragraveserrosnodomíniodaeducação,dapolítica,daacçãosocialedoscostumes»[85].Noelencodoscamposondesemanifestamosefeitosperniciososdopecado,hámuitotempoqueseacrescentoutambémodaeconomia.Temosumaprovaevidentedistomesmonosdiasquecorrem.Primeiro,aconvicçãodeserauto-suficienteedeconseguireliminaromalpresentenahistóriaapenascomaprópriaacçãoinduziuohomemaidentificarafelicidadeeasalvaçãocomformasimanentesdebem-estarmaterialedeacçãosocial.Depois,aconvicçãodaexigênciadeautonomiaparaaeconomia,quenãodeveaceitar«influências»decaráctermoral,impeliuohomemaabusardosinstrumentoseconómicosatémesmodeformadestrutiva.Comopassardotempo,estasconvicçõeslevaramasistemaseconómicos,sociaisepolíticosqueespezinharamaliberdadedapessoaedoscorpossociaise,porissomesmo,nãoforamcapazesdeassegurarajustiçaqueprometiam.Destemodo,comoafirmeinaencíclicaSpesalvi[86],elimina-sedahistóriaaesperançacristã,aqual,aoinvés,constituiumpoderosorecursosocialaoserviçododesenvolvimentohumanointegral,procuradonaliberdadeenajustiça.Aesperançaencorajaarazãoedá-lheaforçaparaorientaravontade[87].Jáestápresentenafé,pelaqualaliásésuscitada.Delasenutreacaridadenaverdadee,aomesmotempo,manifesta-a.SendodomdeDeusabsolutamentegratuito,irrompenanossavidacomoalgonãodevido,quetranscendequalquernormadejustiça.Porsuanatureza,odomultrapassaomérito;asuaregraéaexcedência.Aqueleprecede-nos,nanossaprópriaalma,comosinaldapresençadeDeusemnósedassuasexpectativasanossorespeito.Averdade,queédomtalcomoacaridade,émaiordoquenós,conformeensinaSantoAgostinho[88].Tambémaverdadeacercadenósmesmos,danossaconsciênciapessoalé-nosprimariamente«dada»;comefeito,emqualquerprocessocognoscitivo,averdadenãoéproduzidapornós,massempreencontradaou,melhor,recebida.Talcomooamor,ela«nãonascedainteligênciaedavontade,masdecertaformaimpõe-seaoserhumano»[89].
Enquantodomrecebidoportodos,acaridadenaverdadeéumaforçaqueconstituiacomunidade,unificaoshomenssegundomodalidadesquenãoconhecembarreirasnemconfins.Acomunidadedoshomenspodeserconstituídapornósmesmos;mas,comasnossassimplesforças,nuncapoderáserumacomunidadeplenamentefraternanemalargadaparaalémdequalquerfronteira,ouseja,nãopoderátornar-seumacomunidadeverdadeiramenteuniversal:aunidadedogénerohumano,umacomunhãofraternaparaalémdequalquerdivisão,nascedaconvocaçãodapalavradeDeus-Amor.Aoenfrentarestaquestãodecisiva,devemosespecificar,porumlado,quealógicadodomnãoexcluiajustiçanemsejustapõeaelanumsegundotempoedefora;e,poroutro,queodesenvolvimentoeconómico,socialepolíticoprecisa,sequiserserautenticamentehumano,dedarespaçoaoprincípiodagratuidadecomoexpressãodefraternidade.
35.Omercado,sehouverconfiançarecíprocaegeneralizada,éainstituiçãoeconómicaquepermiteoencontroentreaspessoas,nasuadimensãodeoperadoreseconómicosqueusamocontratocomoregradassuasrelaçõesequetrocambenseserviçosentresifungíveis,parasatisfazerassuascarênciasedesejos.Omercadoestásujeitoaosprincípiosdachamadajustiçacomutativa,queregulaprecisamenteasrelaçõesdodarereceberentresujeitosiguais.Masadoutrinasocialnuncadeixoudepôremevidênciaaimportânciaquetemajustiçadistributivaeajustiçasocialparaaprópriaeconomiademercado,nãosóporqueintegradanasmalhasdeumcontextosocialepolíticomaisvasto,mastambémpelateiadasrelaçõesemqueserealiza.Defacto,deixadounicamenteaoprincípiodaequivalênciadevalordosbenstrocados,omercadonãoconseguegeraracoesãosocialdequenecessitaparabemfuncionar.Semformasinternasdesolidariedadeedeconfiançarecíproca,omercadonãopodecumprirplenamenteaprópriafunçãoeconómica.E,hoje,foiprecisamenteestaconfiançaqueveioafaltar;eaperdadaconfiançaéumaperdagrave.
NaPopulorumprogressio,PauloVIsublinhavaoportunamenteofactodequeseriaoprópriosistemaeconómicoatirarvantagemdapráticageneralizadadajustiça,umavezqueosprimeirosabeneficiardodesenvolvimentodospaísespobresteriamsidoospaísesricos[90].Nãosetratavaapenasdecorrigirdisfunções,atravésdaassistência.Ospobresnãodevemserconsideradosum«fardo»[91]masumrecurso,mesmodopontodevistaestritamenteeconómico.Háqueconsiderarerradaavisãodequantospensamqueaeconomiademercadotenhaestruturalmentenecessidadedumacertaquotadepobrezaesubdesenvolvimentoparapoderfuncionardomelhormodo.Omercadoteminteresseempromoveremancipação,mas,paraofazerverdadeiramente,nãopodecontarapenasconsigomesmo,porquenãoécapazdeproduzirporsiaquiloqueestáparaalémdassuaspossibilidades;temdehaurirenergiasmoraisdeoutrossujeitos,quesejamcapazesdeasgerar.
36.Aactividadeeconómicanãopoderesolvertodososproblemassociaisatravésdasimplesextensãodalógicamercantil.Estahá-detercomofinalidadeaprossecuçãodobemcomum,doqualsedeveocupartambémesobretudoacomunidadepolítica.Porisso,tenha-sepresentequeécausadegravesdesequilíbriossepararoagireconómico—aoqualcompetiriaapenasproduzirriqueza—doagirpolítico,cujafunçãoseriabuscarajustiçaatravésdaredistribuição.
DesdesempreaIgrejadefendequenãosehá-deconsideraroagireconómicocomoanti-social.Depersiomercadonãoé,nemsedevetornar,olugardaprepotênciadofortesobreodébil.Asociedadenãotemqueseprotegerdomercado,comoseodesenvolvimentodesteimplicasseipsofactoamortedasrelaçõesautenticamentehumanas.Éverdadequeomercadopodeserorientadodemodonegativo,nãoporqueissoestejanasuanatureza,masporqueumacertaideologiapodedirigi-loemtalsentido.Nãosedeveesquecerqueomercado,emestadopuro,nãoexiste;mastomaformaapartirdasconfiguraçõesculturaisqueoespecificameorientam.Comefeito,aeconomiaeasfinanças,enquantoinstrumentos,podemsermalutilizadassequemasgeretiverapenasreferimentosegoístas.Destemodoépossívelconseguirtransformarinstrumentosdepersibonseminstrumentosdanosos;maséarazãoobscurecidadohomemqueproduzestasconsequências,nãooinstrumentoporsimesmo.Porisso,nãoéoinstrumentoquedeveserchamadoemcausa,masohomem,asuaconsciênciamoraleasuaresponsabilidadepessoalesocial.
AdoutrinasocialdaIgrejaconsiderapossívelviverrelaçõesautenticamentehumanasdeamizadeecamaradagem,desolidariedadeereciprocidade,mesmonoâmbitodaactividadeeconómicaenãoapenasforadelaou«depois»dela.Aáreaeconómicanãoénemeticamenteneutranemdenaturezadesumanaeanti-social.Pertenceàactividadedohomem;e,precisamenteporquehumana,devesereticamenteestruturadaeinstitucionalizada.
Ograndedesafioquetemosdiantedenós—resultantedasproblemáticasdodesenvolvimentonestetempodeglobalização,masrevestindo-sedemaiorexigênciacomacriseeconómico-financeira—émostrar,aníveltantodepensamentocomodecomportamentos,quenãosónãopodemsertranscuradosouatenuadososprincípiostradicionaisdaéticasocial,comoatransparência,ahonestidadeearesponsabilidade,mastambémque,nasrelaçõescomerciais,oprincípiodegratuidadeealógicadodomcomoexpressãodafraternidadepodemedevemencontrarlugardentrodaactividadeeconómicanormal.Istoéumaexigênciadohomemnotempoactual,mastambémdaprópriarazãoeconómica.Trata-sedeumaexigênciasimultaneamentedacaridadeedaverdade.
37.AdoutrinasocialdaIgrejasempredefendeuqueajustiçadizrespeitoatodasasfasesdaactividadeeconómica,porqueestasempretemavercomohomemecomassuasexigências.Aangariaçãodosrecursos,osfinanciamentos,aprodução,oconsumoetodasasoutrasfasesdocicloeconómicotêminevitavelmenteimplicaçõesmorais.Destemodocadadecisãoeconómicatemconsequênciasdecaráctermoral.Tudoistoencontraconfirmaçãotambémnasciênciassociaisenastendênciasdaeconomiaactual.Outroratalvezsepudessepensar,primeiro,emconfiaràeconomiaaproduçãoderiquezapara,depois,atribuiràpolíticaatarefadeadistribuir;hojetudoistoseapresentamaisdifícil,porque,enquantoasactividadeseconómicasdeixaramdeestarcircunscritasnoâmbitodoslimitesterritoriais,aautoridadedosgovernoscontinuaasersobretudolocal.Porisso,oscânonesdajustiçadevemserrespeitadosdesdeoinícioenquantosedesenrolaoprocessoeconómico,enãodepoisoumarginalmente.Alémdisso,éprecisoque,nomercado,seabramespaçosparaactividadeseconómicasrealizadasporsujeitosquelivrementeescolhemconfiguraropróprioagirsegundoprincípiosdiversosdopurolucro,semporissorenunciaraproduzirvaloreconómico.Asnumerosasexpressõesdeeconomiaquetiveramorigememiniciativasreligiosaselaicasdemonstramqueistoéconcretamentepossível.
Naépocadaglobalização,aeconomiadenotaainfluênciademodeloscompetitivosligadosaculturasmuitodiversasentresi.Oscomportamentoseconómico-empresariaisdaíresultantespossuem,nasuamaioria,umpontodeencontronorespeitodajustiçacomutativa.Avidaeconómicatem,semdúvida,necessidadedocontrato,pararegularasrelaçõesdetransacçãoentrevaloresequivalentes;masprecisaigualmentedeleisjustasedeformasderedistribuiçãoguiadaspelapolítica,paraalémdeobrasquetragamimpressooespíritododom.Aeconomiaglobalizadapareceprivilegiaraprimeiralógica,ouseja,adatransacçãocontratual,masdirectaouindirectamentedáprovasdenecessitartambémdasoutrasduas:alógicapolíticaealógicadodomsemcontrapartidas.
38.OmeuantecessorJoãoPauloIIsublinharaestaproblemática,quando,naCentesimusannus,destacouanecessidadedeumsistemacomtrêssujeitos:omercado,oEstadoeasociedadecivil[92].Eletinhaidentificadonasociedadeciviloâmbitomaisapropriadoparaumaeconomiadagratuidadeedafraternidade,massempretendernegá-lanosoutrosdoisâmbitos.Hoje,podemosdizerqueavidaeconómicadeveserentendidacomoumarealidadecomváriasdimensões:emtodasdeveestarpresente,emboraemmedidadiversaecommodalidadesespecíficas,oaspectodareciprocidadefraterna.Naépocadaglobalização,aactividadeeconómicanãopodeprescindirdagratuidade,quedifundeealimentaasolidariedadeearesponsabilidadepelajustiçaeobemcomumemseusdiversossujeitoseactores.Trata-se,emúltimaanálise,deumaformaconcretaeprofundadedemocraciaeconómica.Asolidariedadeconsisteprimariamenteemquetodossesintamresponsáveisportodos[93]e,porconseguinte,nãopodeserdelegadasónoEstado.Se,nopassado,erapossívelpensarquehavianecessidadeprimeirodeprocurarajustiçaequeagratuidadeintervinhadepoiscomoumcomplemento,hojeéprecisoafirmarque,semagratuidade,nãoseconseguesequerrealizarajustiça.Assim,temosnecessidadedeummercado,noqualpossamoperar,livrementeeemcondiçõesdeigualoportunidade,empresasquepersigamfinsinstitucionaisdiversos.Aoladodaempresaprivadaorientadaparaolucroedosváriostiposdeempresapública,devempoder-seradicareexprimirasorganizaçõesprodutivasqueperseguemfinsmutualistasesociais.Doseurecíprococonfrontonomercado,pode-seesperarumaespéciedehibridizaçãodoscomportamentosdeempresae,consequentemente,umaatençãosensívelàcivilizaçãodaeconomia.Nestecaso,caridadenaverdadesignificaqueéprecisodarformaeorganizaçãoàquelasiniciativaseconómicasque,emborasemnegarolucro,pretendamirmaisalémdalógicadatrocadeequivalentesedolucrocomofimemsimesmo.
39.NaPopulorumprogressio,PauloVIpediaqueseconfigurasseummodelodeeconomiademercadocapazdeincluir,pelomenosintencionalmente,todosospovosenãoapenasaquelesadequadamentehabilitados.Solicitavaquenosempenhássemosnapromoçãodeummundomaishumanoparatodos,ummundonoqual«todostenhamqualquercoisaadareareceber,semqueoprogressodeunssejaobstáculoaodesenvolvimentodosoutros»[94].EstendiaassimaoplanouniversalasmesmasinstânciaseaspiraçõescontidasnaRerumnovarum,escritaquandopelaprimeiravez,emconsequênciadarevoluçãoindustrial,seafirmouaideia—seguramenteavançadaparaaqueletempo—dequeaordemcivil,parasubsistir,tinhanecessidadetambémdaintervençãodistributivadoEstado.Hojeestavisão,alémdeserpostaemcrisepelosprocessosdeaberturadosmercadosedassociedades,revela-seincompletaparasatisfazerasexigênciasdumaeconomiaplenamentehumana.AquiloqueadoutrinasocialdaIgreja,partindodasuavisãodohomemedasociedade,sempredefendeu,éhojerequeridotambémpelasdinâmicascaracterísticasdaglobalização.
QuandoalógicadomercadoeadoEstadosepõemdeacordoentresiparacontinuarnomonopóliodosrespectivosâmbitosdeinfluência,comopassardotempodefinhaasolidariedadenasrelaçõesentreoscidadãos,aparticipaçãoeaadesão,oserviçogratuito,quesãorealidadesdiversasdo«darparater»,própriodalógicadatransacção,edo«darpordever»,própriodalógicadoscomportamentospúblicosimpostosporleidoEstado.Avitóriasobreosubdesenvolvimentoexigequeseactuenãosósobreamelhoriadastransacçõesfundadassobreointercâmbio,nemapenassobreastransferênciasdasestruturasassistenciaisdenaturezapública,massobretudosobreaprogressivaabertura,emcontextomundial,paraformasdeactividadeeconómicacaracterizadasporquotasdegratuidadeedecomunhão.Obinómioexclusivomercado-Estadocorróiasociabilidade,enquantoasformaseconómicassolidárias,queencontramoseumelhorterrenonasociedadecivilsemcontudosereduziraela,criamsociabilidade.Omercadodagratuidadenãoexiste,talcomonãosepodemestabelecerporleicomportamentosgratuitos,etodaviatantoomercadocomoapolíticaprecisamdepessoasabertasaodomrecíproco.
40.Asactuaisdinâmicaseconómicasinternacionais,caracterizadasporgravesdesviosedisfunções,requeremprofundasmudançasinclusivamentenomododeconceberaempresa.Antigasmodalidadesdavidaempresarialdeclinam,masoutrasprometedorasseesboçamnohorizonte.Umdosriscosmaioresé,semdúvida,queaempresaprestecontasquaseexclusivamenteaquemnelainveste,acabandoassimporreduzirasuavalênciasocial.Devidoaoseucrescimentodedimensãoeànecessidadedecapitaissempremaiores,sãocadavezmenosasempresasquefazemreferimentoaumempresárioestávelquesesintaresponsávelnãoapenasacurtomasalongoprazodavidaedosresultadosdasuaempresa,talcomodiminuionúmerodasquedependemdeumúnicoterritório.Alémdisso,achamadadeslocalizaçãodaactividadeprodutivapodeatenuarnoempresárioosentidodaresponsabilidadeparacomosinteressados,comoostrabalhadores,osfornecedores,osconsumidores,oambientenaturaleasociedadecircundantemaisampla,embenefíciodosaccionistas,quenãoestãoligadosaumespaçoespecífico,gozandoporissodumaextraordináriamobilidade;defacto,omercadointernacionaldoscapitaisoferecehojeumagrandeliberdadedeacção.Maséverdadetambémqueestáaaumentaraconsciênciasobreanecessidadedeumamaisampla«responsabilidadesocial»daempresa.Apesardeosparâmetroséticosqueguiamactualmenteodebatesobrearesponsabilidadesocialdaempresanãoserem,segundoaperspectivadadoutrinasocialdaIgreja,todosaceitáveis,éumfactoquesevaidifundindocadavezmaisaconvicçãodequeagestãodaempresanãopodeteremcontaunicamenteosinteressesdosproprietáriosdamesma,masdevepreocupar-setambémcomasoutrasdiversascategoriasdesujeitosquecontribuemparaavidadaempresa:ostrabalhadores,osclientes,osfornecedoresdosváriosfactoresdeprodução,acomunidadedereferimento.Nosúltimosanos,notou-seocrescimentodumaclassecosmopolitadegerentes,quemuitasvezesrespondemsóàsindicaçõesdosaccionistasdaempresaconstituídosgeralmenteporfundosanónimosqueestabelecemdefactoassuasremunerações.Todavia,hoje,hátambémmuitosgerentesque,atravésdeanálisesclarividentes,sedãocontacadavezmaisdosprofundoslaçosqueasuaempresatemcomoterritórioouterritórios,ondeopera.PauloVIconvidavaaavaliarseriamenteodanoqueatransferênciadecapitaisparaoestrangeiro,comexclusivasvantagenspessoais,podecausaràpróprianação[95].EJoãoPauloIIadvertiaqueinvestirtemsempreumsignificadomoral,paraalémdeeconómico[96].Tudoisto—háquereafirmá-lo—éválidotambémhoje,nãoobstanteomercadodoscapitaistenhasidomuitoliberalizadoeasmentalidadestecnológicasmodernaspossaminduzirapensarqueinvestirsejaapenasumfactotécnico,enãohumanoeético.Nãohámotivoparanegarqueumcertocapitalpossaserocasiãodebem,seinvestidonoestrangeiroantesquenapátria;masdevem-seressalvarosvínculosdejustiça,tendoemcontatambémomodocomoaquelecapitalseformoueosdanosquecausaráàspessoasoseunãoinvestimentonoslugaresondeomesmofoigerado[97].Éprecisoevitarqueomotivoparaoempregodosrecursosfinanceirossejaespeculativo,cedendoàtentaçãodeprocurarapenasolucroabreveprazosemcuidarigualmentedasustentabilidadedaempresaalongoprazo,doseuserviçoconcretoàeconomiarealedumaadequadaeoportunapromoçãodeiniciativaseconómicastambémnospaísesnecessitadosdedesenvolvimento.Tambémnãohámotivoparanegarqueadeslocalização,quandocompreendeinvestimentoseformação,possafazerbemàspopulaçõesdopaísqueaacolhe—otrabalhoeoconhecimentotécnicosãoumanecessidadeuniversal–;masnãoélícitodeslocalizarsomenteparagozardeespeciaiscondiçõesdefavorou,piorainda,paraexploração,semprestarumaverdadeiracontribuiçãoàsociedadelocalparaonascimentodeumrobustosistemaprodutivoesocial,factorimprescindívelparaumdesenvolvimentoestável.
41.Dentrodomesmotema,éútilobservarqueoespíritoempresarialtem,edeveassumircadavezmais,umsignificadopolivalente.Alongaprevalênciadobinómiomercado-Estadohabituou-nosapensarexclusivamente,porumlado,noempresárioprivadodetipocapitalistae,poroutro,nodirectorestatal.Narealidade,oespíritoempresarialhá-deserentendidodemodoarticulado,comosedepreendedumasériedemotivaçõesmeta-económicas.Oespíritoempresarial,antesdetersignificadoprofissional,possuiumsignificadohumano[98];estáinscritoemcadatrabalho,vistocomo«actuspersonæ»[99],peloqueébomofereceracadatrabalhadorapossibilidadedeprestaraprópriacontribuição,detalmodoqueelemesmo«saibatrabalhar‘‘porcontaprópria''»[100].EnsinavaPauloVI,nãosemmotivo,que«todootrabalhadoréumcriador»[101].Precisamenteparadarrespostaàsexigênciaseàdignidadedequemtrabalhaeàsnecessidadesdasociedadeéqueexistemváriostiposdeempresa,muitoparaalémdasimplesdistinçãoentre«privado»e«público».Cadaumarequereexprimeumespíritoempresarialespecífico.Afimderealizarumaeconomiaque,numfuturopróximo,saibacolocar-seaoserviçodobemcomumnacionalemundial,convémteremcontaestesignificadoamplodeespíritoempresarial.Talconcepçãomaisamplafavoreceointercâmbioeaformaçãorecíprocaentreasdiversastipologiasdeempresariado,comtransferênciadecompetênciasdomundosemlucroparaaquelecomlucroevice-versa,dosectorpúblicoparaoâmbitoprópriodasociedadecivil,domundodaseconomiasavançadasparaaqueledospaísesemviasdedesenvolvimento.
Tambéma«autoridadepolítica»temumsignificadopolivalente,quenãosepodeesquecerquandoseprocedeàrealizaçãodumanovaordemeconómico-produtiva,responsávelsocialmenteeàmedidadohomem.Assimcomosepretendefomentarumespíritoempresarialdiferenciadonoplanomundial,assimtambémsedevepromoverumaautoridadepolíticarepartidaeactivaaváriosníveis.AeconomiaintegradadenossosdiasnãoeliminaafunçãodosEstados,antesobrigaosgovernosaumacolaboraçãorecíprocamaisintensa.RazõesdesabedoriaeprudênciasugeremquenãoseproclamedepressademaisofimdoEstado;relativamenteàsoluçãodacriseactual,asuafunçãoparecedestinadaacrescer,readquirindomuitasdassuascompetências.Alémdisso,existemnações,cujaedificaçãooureconstruçãodoEstadocontinuaaserumelemento-chavedoseudesenvolvimento.Aajudainternacional,precisamentenoâmbitodeumprojectodesolidariedadequetivesseemvistaasoluçãodosproblemaseconómicosactuais,deveriasobretudoapoiaraconsolidaçãodesistemasconstitucionais,jurídicos,administrativosnospaísesqueaindanãogozamdetaisbens.Apardasajudaseconómicas,devemexistiroutrosapoiostendentesareforçarasgarantiasprópriasdoEstadodedireito,umsistemadeordempúblicaecarcerárioeficientenorespeitodosdireitoshumanos,instituiçõesverdadeiramentedemocráticas.NãoéprecisoqueoEstadotenha,emtodoolado,asmesmascaracterísticas:oapoioparareforçodossistemasconstitucionaisdébeispodemuitobemseracompanhadopelodesenvolvimentodeoutrossujeitospolíticosdenaturezacultural,social,territorialoureligiosa,aoladodoEstado.Aarticulaçãodaautoridadepolíticaanívellocal,nacionaleinternacionalé,paraalémdomais,umadasviasmestrasparasechegarapoderorientaraglobalizaçãoeconómica;eétambémomododeevitarqueestaminerealmenteosalicercesdademocracia.
42.Notam-seàsvezesatitudesfatalistasarespeitodaglobalização,comoseasdinâmicasemactofossemproduzidasporforçasimpessoaisanónimaseporestruturasindependentesdavontadehumana[102].Atalpropósito,ébomrecordarqueaglobalizaçãohá-deserentendida,semdúvida,comoumprocessosócio-económico,masestasuadimensãonãoéaúnica.Soboprocessomaisvisível,háarealidadedumahumanidadequesetornacadavezmaisinterligada;talrealidadeéconstituídaporpessoasepovos,paraquemoreferidoprocessodeveserdeutilidadeedesenvolvimento[103],graçasàassunçãodasrespectivasresponsabilidadesporpartetantodosindivíduoscomodacolectividade.Asuperaçãodasfronteiraséumdadonãoapenasmaterialmastambémculturalnassuascausaseefeitos.Seaglobalizaçãoforlidademaneiradeterminista,perdem-seoscritériosparaaavaliareorientar.Trata-sedeumarealidadehumanaquepodeter,nasuafonte,váriasorientaçõesculturais,sobreasquaiséprecisofazerdiscernimento.Averdadedaglobalizaçãoenquantoprocessoeoseucritérioéticofundamentalprovêmdaunidadedafamíliahumanaedoseudesenvolvimentonobem.Porissoéprecisoempenhar-sesemcessarporfavorecerumaorientaçãoculturalpersonalistaecomunitária,abertaàtranscendência,doprocessodeintegraçãomundial.
Nãoobstantealgumaslimitaçõesestruturais,quenãosehão-denegarnemabsolutizar,«aglobalizaçãoapriorinãoéboanemmá.Seráaquiloqueaspessoasfizeremdela»[104].Nãodevemosservítimasdela,masprotagonistas,actuandocomrazoabilidade,guiadospelacaridadeeaverdade.Opor-se-lhecegamenteseriaumaatitudeerrada,frutodepreconceito,queacabariaporignorarumprocessomarcadotambémporaspectospositivos,comoriscodeperderumagrandeocasiãodeseinserirnasmúltiplasoportunidadesdedesenvolvimentoporeleoferecidas.Adequadamenteconcebidosegeridos,osprocessosdeglobalizaçãooferecemapossibilidadedumagranderedistribuiçãodariquezaanívelmundial,comoantesnuncatinhaacontecido;semalgeridos,podem,pelocontrário,fazercrescerpobrezaedesigualdade,bemcomocontagiarcomumacriseomundointeiro.Éprecisocorrigirassuasdisfunções,tantasvezesgraves,queintroduzemnovasdivisõesentreospovosenointeriordosmesmos,efazercomquearedistribuiçãodariquezanãoseverifiqueàcustadeumaredistribuiçãodapobrezaouatécomoseuagravamento,comoumamágestãodasituaçãoactualpoderiafazer-nostemer.Durantemuitotempo,pensou-sequeospovospobresdeveriampermanecerancoradosaumestádiopredeterminadodedesenvolvimento,contentando-secomafilantropiadospovosdesenvolvidos.Contraestamentalidade,tomouposiçãoPauloVInaPopulorumprogressio.Hoje,asforçasmateriaisdequesepodedisporparafazeraquelespovossairdamisériasãopotencialmentemaioresdoqueoutrora,masacabaramporseaproveitardelasprevalentementeospovosdospaísesdesenvolvidos,queconseguiramdesfrutarmelhoroprocessodeliberalizaçãodosmovimentosdecapitaisedotrabalho.Porissoadifusãodosambientesdebem-estaranívelmundialnãodeveserrefreadaporprojectosegoístas,proteccionistasouditadosporinteressesparticulares.Defacto,hoje,oenvolvimentodospaísesemergentesouemviasdedesenvolvimentopermitegerirmelhoracrise.Atransiçãoinerenteaoprocessodeglobalizaçãoapresentagrandesdificuldadeseperigos,quepoderãosersuperadosapenassesesoubertomarconsciênciadaquelaalmaantropológicaeéticaque,domaisfundo,impeleaprópriaglobalizaçãoparametasdehumanizaçãosolidária.Infelizmenteestaalmaémuitasvezesabafadaecondicionadaporperspectivasético-culturaisdeimpostaçãoindividualistaeutilitarista.Aglobalizaçãoéumfenómenopluridimensionalepolivalente,queexigesercompreendidonadiversidadeeunidadedetodasassuasdimensões,incluindoateológica.Istopermitirávivereorientaraglobalizaçãodahumanidadeemtermosderelacionamento,comunhãoepartilha.
CAPÍTULOIV
DESENVOLVIMENTODOSPOVOS,
DIREITOSEDEVERES,AMBIENTE
43.«Asolidariedadeuniversaléparanósnãosóumfactoeumbenefício,mastambémumdever»[105].Hoje,muitaspessoastendemaalimentarapretensãodequenãodevemnadaaninguém,anãoserasimesmas.Considerando-setitularessódedireitos,frequentementedeparam-secomfortesobstáculosparamaturarumaresponsabilidadenoâmbitododesenvolvimentointegralpróprioealheio.Porisso,éimportanteinvocarumanovareflexãoquefaçavercomoosdireitospressupõemdeveres,semosquaisoseuexercíciosetransformaemarbítrio[106].Assiste-sehojeaumagravecontradição:enquanto,porumlado,sereivindicampresuntosdireitos,decarácterarbitrárioelibertino,querendovê-losreconhecidosepromovidospelasestruturaspúblicas,poroutroexistemdireitoselementaresefundamentaisvioladosenegadosaboapartedahumanidade[107].Aparececomfrequênciaassinaladaumarelaçãoentreareivindicaçãododireitoaosupérfluo,senãomesmoàtransgressãoeaovício,nassociedadesopulenteseafaltadealimento,águapotável,instruçãobásica,cuidadossanitárioselementaresemcertasregiõesdomundodosubdesenvolvimentoetambémnasperiferiasdegrandesmetrópoles.Arelaçãoestánofactodequeosdireitosindividuais,desvinculadosdeumquadrodedeveresquelhesconfiraumsentidocompleto,enlouquecemealimentamumaespiraldeexigênciaspraticamenteilimitadaesemcritérios.Aexasperaçãodosdireitosdesembocanoesquecimentodosdeveres.Estesdelimitamosdireitosporqueremetemparaoquadroantropológicoeéticocujaverdadeéoâmbitoondeosmesmosseinsereme,destemodo,nãodescambamnoarbítrio.Porestemotivo,osdeveresreforçamosdireitosepropõemasuadefesaepromoçãocomoumcompromissoaassumiraoserviçodobem.Se,pelocontrário,osdireitosdohomemencontramoseufundamentoapenasnasdeliberaçõesdumaassembleiadecidadãos,podemseralteradosemqualquermomentoe,assim,odeverdeosrespeitarepromoveratenua-senaconsciênciacomum.Entãoosgovernoseosorganismosinternacionaispodemesqueceraobjectividadee«indisponibilidade»dosdireitos.Quandoistoacontece,põe-seemperigooverdadeirodesenvolvimentodospovos[108].Semelhantesposiçõescomprometemaautoridadedosorganismosinternacionais,sobretudoaosolhosdospaísesmaiscarecidosdedesenvolvimento.Defacto,estespedemqueacomunidadeinternacionalassumacomoumdeverajudá-losaserem«artíficesdoseudestino»[109],ouseja,aassumiremporsuavezdeveres.Apartilhadosdeveresrecíprocosmobilizamuitomaisdoqueamerareivindicaçãodedireitos.
44.Aconcepçãodosdireitosedosdeveresnodesenvolvimentodeveteremcontatambémasproblemáticasligadascomocrescimentodemográfico.Trata-sedeumaspectomuitoimportantedoverdadeirodesenvolvimento,porquedizrespeitoaosvaloresirrenunciáveisdavidaedafamília[110].Consideraroaumentodapopulaçãocomoaprimeiracausadosubdesenvolvimentoéerrado,inclusivedopontodevistaeconómico:bastapensar,porumlado,naconsideráveldiminuiçãodamortalidadeinfantilenoalongamentomédiodavidaqueseregistanospaíseseconomicamentedesenvolvidos,e,poroutro,nossinaisdecrisequeseobservamnassociedadesondeseregistaumapreocupantequedadanatalidade.Obviamenteéforçosoprestaradevidaatençãoaumaprocriaçãoresponsável,queconstitui,paraalémdomais,umarealcontribuiçãoparaodesenvolvimentointegral.AIgreja,quetemapeitooverdadeirodesenvolvimentodohomem,recomenda-lheorespeitodosvaloreshumanostambémnousodasexualidade:omesmonãopodeserreduzidoaummerofactohedonistaelúdico,domesmomodoqueaeducaçãosexualnãosepodelimitaràinstruçãotécnica,tendocomoúnicapreocupaçãodefenderosinteressadosdeeventuaiscontágiosoudo«risco»procriador.Istoequivaleriaaempobrecerenegligenciarosignificadoprofundodasexualidade,quedeve,pelocontrário,serreconhecidoeassumidoresponsavelmentetantopelapessoacomopelacomunidade.Comefeito,aresponsabilidadeimpedequeseconsidereasexualidadecomoumasimplesfontedeprazerouquesejareguladacompolíticasdeplanificaçãoforçadadosnascimentos.Emambososcasos,estamosperanteconcepçõesepolíticasmaterialistas,noâmbitodasquaisaspessoasacabamporsofrerváriasformasdeviolência.Atudoistoháquecontraporacompetênciaprimáriadasfamíliasnestecampo[111],relativamenteaoEstadoeàssuaspolíticasrestritivas,etambémumaapropriadaeducaçãodospais.
Aaberturamoralmenteresponsávelàvidaéumariquezasocialeeconómica.Grandesnaçõespuderamsairdamiséria,justamentegraçasaograndenúmeroeàscapacidadesdosseushabitantes.Pelocontrário,naçõesoutroraprósperasatravessamagoraumafasedeincertezae,emalgunscasos,dedeclínioprecisamenteporcausadadiminuiçãodanatalidade,problemacrucialparaassociedadesdeproeminentebem-estar.Adiminuiçãodosnascimentos,situando-seporvezesabaixodochamado«índicedesubstituição»,põeemcrisetambémossistemasdeassistênciasocial,aumentaosseuscustos,contraiaacumulaçãodepoupançase,consequentemente,osrecursosfinanceirosnecessáriosparaosinvestimentos,reduzadisponibilizaçãodetrabalhadoresqualificados,restringeareservaaondeirbuscaros«cérebros»paraasnecessidadesdanação.Alémdisso,asfamíliasdepequenae,àsvezes,pequeníssimadimensãocorremoriscodeempobrecerasrelaçõessociaisedenãogarantirformaseficazesdesolidariedade.Sãosituaçõesqueapresentamsintomasdeescassaconfiançanofuturoedecansaçomoral.Destemodo,torna-seumanecessidadesocial,emesmoeconómica,continuaraproporàsnovasgeraçõesabelezadafamíliaedomatrimónio,acorrespondênciadetaisinstituiçõesàsexigênciasmaisprofundasdocoraçãoedadignidadedapessoa.Nestaperspectiva,osEstadossãochamadosainstaurarpolíticasquepromovamacentralidadeeaintegridadedafamília,fundadanomatrimónioentreumhomemeumamulher,célulaprimeiraevitaldasociedade[112],preocupando-setambémcomosseusproblemaseconómicosefiscais,norespeitodasuanaturezarelacional.
45.Darrespostaàsexigênciasmoraismaisprofundasdapessoatemtambémimportantesebenéficasconsequênciasnoplanoeconómico.Defacto,aeconomiatemnecessidadedaéticaparaoseucorrectofuncionamento;nãodeumaéticaqualquer,masdeumaéticaamigadapessoa.Hojefala-semuitodeéticaemcampoeconómico,financeiro,empresarial.Nascemcentrosdeestudoepercursosformativosdenegócioséticos;difunde-senomundodesenvolvidoosistemadascertificaçõeséticas,naesteiradomovimentodeideiasnascidoàvoltadaresponsabilidadesocialdaempresa.Osbancospropõemcontasefundosdeinvestimentochamados«éticos».Desenvolvem-seas«finançaséticas»,sobretudoatravésdomicro-créditoe,maisemgeral,demicro-financiamentos.Taisprocessossuscitamapreçoemerecemamploapoio.Osseusefeitospositivosfazem-sesentirtambémnasáreasmenosdesenvolvidasdaterra.Todavia,ébomformartambémumválidocritériodediscernimento,porquesenotaumcertoabusodoadjectivo«ético»,oqual,seusadovagamente,presta-seadesignarconteúdosmuitodiversos,chegando-seafazerpassaràsuasombradecisõeseopçõescontráriasàjustiçaeaoverdadeirobemdohomem.
Comefeito,muitodependedosistemamoralemquesebaseia.Sobreesteargumento,adoutrinasocialdaIgrejatemumcontributopróprioeespecíficoparadar,quesefundanacriaçãodohomem«àimagemdeDeus»(Gn1,27),umdadodoqualderivaadignidadeinvioláveldapessoahumanaetambémovalortranscendentedasnormasmoraisnaturais.Umaéticaeconómicaqueprescindadestesdoispilaresarrisca-seinevitavelmenteaperderoseucunhoespecíficoeaprestar-seainstrumentalizações;maisconcretamente,arrisca-seaapareceremfunçãodossistemaseconómico-financeirosexistentes,emvezdeservirdecorrecçãoàsdisfunçõesdosmesmos.Alémdomais,acabariaatéporjustificarofinanciamentodeprojectosquenãosãoéticos.Poroutrolado,nãosedeverecorreraotermo«ético»demodoideologicamentediscriminatório,dandoaperceberquenãoseriaméticasasiniciativasnãodotadasformalmentedetalqualificação.Umdadoéessencial:anecessidadedetrabalharnãosóparaquenasçamsectoresousegmentos«éticos»daeconomiaoudasfinanças,mastambémparaquetodaaeconomiaeasfinançassejaméticas:enãoporumarotulaçãoexterior,maspelorespeitodeexigênciasintrínsecasàsuapróprianatureza.Atalrespeito,sepronunciacomclarezaadoutrinasocialdaIgreja,querecordacomoaeconomia,emtodasassuasextensões,sejaumsectordaactividadehumana[113].
46.Considerandoastemáticasreferentesàrelaçãoentreempresaeéticaetambémaevoluçãoqueosistemaprodutivoestáafazer,parecequeadistinçãousadaatéagoraentreempresasquetêmporfinalidadeolucro(profit)eorganizaçõesquenãobuscamolucro(nonprofit)jánãoécapazdedarcabalmentecontadarealidade,nemdeorientareficazmenteofuturo.Nestasúltimasdécadas,foisurgindoentreasduastipologiasdeempresaumaamplaáreaintermédia.Estaéconstituídaporempresastradicionaismasquesubscrevempactosdeajudaaospaísesatrasados,porfundaçõesquesãoexpressãodeempresasindividuais,porgruposdeempresasquesepropõemobjectivosdeutilidadesocial,pelomundodiversificadodossujeitosdachamadaeconomiaciviledecomunhão.Nãosetrataapenasdeum«terceirosector»,masdeumanovaeamplarealidadecomplexa,queenvolveoprivadoeopúblicoequenãoexcluiolucromasconsidera-ocomoinstrumentopararealizarfinalidadeshumanasesociais.Ofactodetaisempresasdistribuíremounãoosganhosoudeassumiremumaououtradasconfiguraçõesprevistaspelasnormasjurídicastorna-sesecundáriorelativamenteàsuadisponibilidadeaconceberolucrocomouminstrumentoparaalcançarfinalidadesdehumanizaçãodomercadoedasociedade.Édesejávelqueestasnovasformasdeempresatambémencontrem,emtodosospaíses,adequadaconfiguraçãojurídicaefiscal.Semnadatiraràimportânciaeutilidadeeconómicaesocialdasformastradicionaisdeempresa,fazemevoluirosistemaparaumaassunçãomaisclaraeperfeitadosdeveresporpartedossujeitoseconómicos.EnãosóAprópriapluralidadedasformasinstitucionaisdeempresageraummercadomaishumanoesimultaneamentemaiscompetitivo.
47.Ofortalecimentodasdiversastipologiasdeempresa,mormentedasquesãocapazesdeconceberolucrocomouminstrumentoparaalcançarfinalidadesdehumanizaçãodomercadoedassociedades,deveserprocuradotambémnospaísesquesofremexclusãooumarginalizaçãodoscircuitosdaeconomiaglobal,ondeémuitoimportanteavançarcomprojectosdesubsidiariedadedevidamenteconcebidaegeridaquetendamapotenciarosdireitos,masprevendosempretambémaassunçãodascorrelativasresponsabilidades.Nasintervençõesemproldodesenvolvimento,háquesalvaguardaroprincípiodacentralidadedapessoahumana,queéosujeitoqueprimariamentedeveassumirodeverdodesenvolvimento.Apreocupaçãoprincipaléamelhoriadassituaçõesdevidadaspessoasconcretasdumacertaregião,paraquepossamdesempenharaquelesdeveresqueactualmenteaindigêncianãolhespermiterespeitar.Asolicitudenuncapodeserumaatitudeabstracta.Parapoderemadaptar-seàsdiversassituações,osprogramasdedesenvolvimentodevemserflexíveis;easpessoasbeneficiáriasdeveriamestarenvolvidasdirectamentenasuadelineaçãoetornar-seprotagonistasdasuaactuação.Énecessáriotambémaplicaroscritériosdaprogressãoedoacompanhamento—incluindoamonitorizaçãodosresultados—porquenãoháreceitasválidasuniversalmente;dependemuitodagestãoconcretadasintervenções.«Sãoospovososautoreseprimeirosresponsáveisdoprópriodesenvolvimento.Masnãoopoderãorealizarisolados»[114].EstaadvertênciadePauloVIéaindamaisválidahoje,comoprocessodeprogressivaintegraçãoquesevaiconsolidandonaterra.Asdinâmicasdeinclusãonãotêmnadademecânico.Assoluçõeshão-desercalibradasolhandoavidadospovosedaspessoasconcretascombasenumaponderadaavaliaçãodecadasituação.Aoladodosmacro-projectosservemosmicro-projectos,esobretudoserveamobilizaçãorealdetodosossujeitosdasociedadecivil,daspessoastantojurídicascomofísicas.
Acooperaçãointernacionalprecisadepessoasquepartilhemoprocessodedesenvolvimentoeconómicoehumano,atravésdasolidariedadefeitadepresença,acompanhamento,formaçãoerespeito.Sobestepontodevista,osprópriosorganismosinternacionaisdeveriaminterrogar-sesobarealeficáciadosseusaparatosburocráticoseadministrativos,frequentementemuitodispendiosos.Àsvezessucedequeodestinatáriodasajudassejautilizadoemfunçãodequemoajudaequeospobressirvamparamanterdepédispendiosasorganizaçõesburocráticasquereservamparasuaprópriaconservaçãopercentagensdemasiadoelevadasdosrecursosque,aoinvés,deveriamseraplicadosnodesenvolvimento.Nestaperspectiva,seriadesejávelquetodososorganismosinternacionaiseasorganizaçõesnãogovernamentaissecomprometessemaumaplenatransparência,informandoosdoadoreseaopiniãopúblicaacercadapercentagemdefundosrecebidosdestinadaaosprogramasdecooperação,acercadoverdadeiroconteúdodetaisprogramase,porúltimo,acercadaconfiguraçãodasdespesasdaprópriainstituição.
48.Otemadodesenvolvimentoaparece,hoje,estreitamenteassociadotambémcomosdeveresquenascemdorelacionamentodohomemcomoambientenatural.EstefoidadoporDeusatodos,constituindooseuusoumaresponsabilidadequetemosparacomospobres,asgeraçõesfuturaseahumanidadeinteira.Quandoanatureza,acomeçarpeloserhumano,éconsideradacomofrutodoacasooudodeterminismoevolutivo,anoçãodareferidaresponsabilidadedebilita-senasconsciências.Nanatureza,ocrentereconheceoresultadomaravilhosodaintervençãocriadoradeDeus,dequeohomemsepoderesponsavelmenteservirparasatisfazerassuaslegítimasexigências—materiaiseimateriais—norespeitodosequilíbriosintrínsecosdaprópriacriação.Sefaltaestaperspectiva,ohomemacabaouporconsideraranaturezaumtabuintocávelou,aocontrário,porabusardela.Nemumanemoutradestasatitudescorrespondeàvisãocristãdanatureza,frutodacriaçãodeDeus.
Anaturezaéexpressãodeumdesígniodeamoredeverdade.Precede-nos,tendo-nossidodadaporDeuscomoambientedevida.Fala-nosdoCriador(cf.Rm1,20)edoseuamorpelahumanidade.Estádestinada,nofimdostempos,aser«instaurada»emCristo(cf.Ef1,9-10;Col1,19-20).Porconseguinte,tambémelaéuma«vocação»[115].Anaturezaestáànossadisposição,nãocomo«ummontedelixoespalhadoaoacaso»[116],mascomoumdomdoCriadorquetraçouosseusordenamentosintrínsecosdosquaisohomemhá-detirarasdevidasorientaçõesparaa«guardarecultivar»(Gn2,15).Maséprecisosublinhartambémqueécontrárioaoverdadeirodesenvolvimentoconsideraranaturezamaisimportantedoqueaprópriapessoahumana.Estaposiçãoinduzacomportamentosneo-pagãosouaumnovopanteísmo:sódanatureza,entendidaemsentidopuramentenaturalista,nãopodederivarasalvaçãoparaohomem.Poroutrolado,háquerejeitartambémaposiçãooposta,quevisaasuacompletatecnicização,porqueoambientenaturalnãoéapenasmatériadequedisporanossobel-prazer,masobraadmiráveldoCriador,contendonelauma«gramática»queindicafinalidadesecritériosparaumautilizaçãosapiente,nãoinstrumentalnemarbitrária.Advêm,hoje,muitosdanosaodesenvolvimentoprecisamentedestasconcepçõesdeformadas.Reduzircompletamenteanaturezaaumconjuntodesimplesdadosreaisacabaporserfontedeviolênciacontraoambienteeatépormotivaracçõesdesrespeitadorasdapróprianaturezadohomem.Esta,constituídanãosódematériamastambémdeespíritoe,comotal,ricadesignificadosedefinstranscendentesaalcançar,temumcarácternormativotambémparaacultura.Ohomeminterpretaemodelaoambientenaturalatravésdacultura,aqual,porsuavez,éorientadapormeiodaliberdaderesponsável,atentaaosditamesdaleimoral.Porisso,osprojectosparaumdesenvolvimentohumanointegralnãopodemignorarosvindouros,masdevemseranimadospelasolidariedadeeajustiçaentreasgerações,tendoemcontaosdiversosâmbitos:ecológico,jurídico,económico,político,cultural[117].
49.Hoje,asquestõesrelacionadascomocuidadoeapreservaçãodoambientedevemternadevidaconsideraçãoasproblemáticasenergéticas.Defacto,oaçambarcamentodosrecursosenergéticosnãorenováveisporpartedealgunsEstados,gruposdepodereempresasconstituiumgraveimpedimentoparaodesenvolvimentodospaísespobres.Estesnãotêmosmeioseconómicosparachegaràsfontesenergéticasnãorenováveisqueexistem,nemparafinanciarapesquisadefontesnovasealternativas.Amonopolizaçãodosrecursosnaturais,queemmuitoscasosseencontramprecisamentenospaísespobres,geraexploraçãoefrequentesconflitosentreasnaçõesedentrodasmesmas.Emuitasvezesestesconflitossãotravadosprecisamentenoterritóriodetaispaíses,comumpesadobalançoemtermosdemortes,destruiçõesemaiordegradação.Acomunidadeinternacionaltemoimperiosodeverdeencontrarasviasinstitucionaispararegularaexploraçãodosrecursosnãorenováveis,comaparticipaçãotambémdospaísespobres,demodoaplanificaremconjuntoofuturo.
Tambémsobreesteaspecto,háurgentenecessidademoraldeumarenovadasolidariedade,especialmentenasrelaçõesentreospaísesemviasdedesenvolvimentoeospaísesaltamenteindustrializados[118].Associedadestecnicamenteavançadaspodemedevemdiminuiroconsumoenergéticosejaporqueasactividadesmanufactureirasevoluem,sejaporqueentreosseuscidadãosreinamaiorsensibilidadeecológica.Alémdissoháqueacrescentarque,actualmente,épossívelmelhoraraeficiênciaenergéticaefazeravançarapesquisadeenergiasalternativas;masénecessáriatambémumaredistribuiçãomundialdosrecursosenergéticos,demodoqueosprópriospaísesdesprovidospossamteracessoaosmesmos.Oseudestinonãopodeserdeixadonasmãosdoprimeiroachegarnemestarsujeitoàlógicadomaisforte.Trata-sedeproblemasrelevantesque,paraserenfrentadosdemodoadequado,requeremdapartedetodosumaresponsáveltomadadeconsciênciadasconsequênciasquerecairãosobreasnovasgerações,principalmentesobreaimensidadedejovenspresentesnospovospobres,que«reclamamasuaparteactivanaconstruçãodeummundomelhor»[119].
50.Estaresponsabilidadeéglobal,porquenãodizrespeitosomenteàenergia,masatodaacriação,quenãodevemosdeixaràsnovasgeraçõesdepauperadadosseusrecursos.Élícitoaohomemexercerumgovernoresponsávelsobreanaturezaparaaguardar,fazerfrutificarecultivarinclusivecomformasnovasetecnologiasavançadas,paraquepossaacolherealimentarcondignamenteapopulaçãoqueahabita.Háespaçoparatodosnestanossaterra:aquiafamíliahumanainteiradeveencontrarosrecursosnecessáriosparaviverdecorosamente,comaajudadapróprianatureza,domdeDeusaosseusfilhos,ecomoempenhodoseuprópriotrabalhoeinventiva.Devemos,porém,sentircomogravíssimoodeverdeentregaraterraàsnovasgeraçõesnumestadotalquetambémelaspossamdignamentehabitá-laecontinuaracultivá-la.Istoimplica«oempenhodedecidirjuntosdepoisdeterponderadoresponsavelmentequalaestradaapercorrer,comoobjectivodereforçaraquelaaliançaentreserhumanoeambientequedeveserespelhodoamorcriadordeDeus,deQuemprovimoseparaQuemestamosacaminho»[120].Édesejávelqueacomunidadeinternacionaleosdiversosgovernossaibamcontrastar,demaneiraeficaz,asmodalidadesdeutilizaçãodoambientequesejamdanosasparaomesmo.Éigualmenteforçosoqueseempreendam,porpartedasautoridadescompetentes,todososesforçosnecessáriosparaqueoscustoseconómicosesociaisderivadosdousodosrecursosambientaiscomunssejamreconhecidosdemaneiratransparenteeplenamentesuportadosporquemdelesusufruienãoporoutraspopulaçõesnempelasgeraçõesfuturas:aprotecçãodoambiente,dosrecursosedoclimarequerquetodososresponsáveisinternacionaisactuemconjuntamenteesedemonstremprontosaagirdeboafé,norespeitodaleiedasolidariedadeparacomasregiõesmaisdébeisdaterra[121].Umadasmaiorestarefasdaeconomiaéprecisamenteumusomaiseficientedosrecursos,nãooabuso,tendosemprepresentequeanoçãodeeficiêncianãoéaxiologicamenteneutra.
51.Asmodalidadescomqueohomemtrataoambienteinfluemsobreasmodalidadescomquesetrataasimesmo,evice-versa.Istochamaasociedadeactualaumasériarevisãodoseuestilodevidaque,emmuitaspartesdomundo,pendeparaohedonismoeoconsumismo,semolharaosdanosquedaíderivam[122].Énecessáriaumarealmudançadementalidadequenosinduzaaadoptarnovosestilosdevida,«nosquaisabuscadoverdadeiro,dobeloedobomeacomunhãocomosoutroshomensparaumcrescimentocomumsejamoselementosquedeterminamasopçõesdosconsumos,daspoupançasedosinvestimentos»[123].Todaalesãodasolidariedadeedaamizadecívicaprovocadanosambientais,assimcomoadegradaçãoambientalporsuavezgerainsatisfaçãonasrelaçõessociais.Anatureza,especialmentenonossotempo,estátãointegradanasdinâmicassociaiseculturaisquequasejánãoconstituiumavariávelindependente.Adesertificaçãoeapenúriaprodutivadealgumasáreasagrícolassãofrutotambémdoempobrecimentodaspopulaçõesqueashabitamedoseuatraso.Incentivandoodesenvolvimentoeconómicoeculturaldaquelaspopulações,tutela-setambémanatureza.Alémdisso,quantosrecursosnaturaissãodevastadospelaguerra!Apazdospovoseentreospovospermitiriatambémumamaiorpreservaçãodanatureza.Oaçambarcamentodosrecursos,especialmentedaágua,podeprovocargravesconflitosentreaspopulaçõesenvolvidas.Umacordopacíficosobreousodosrecursospodesalvaguardaranaturezae,simultaneamente,obem-estardassociedadesinteressadas.
AIgrejasenteoseupesoderesponsabilidadepelacriaçãoedevefazervalerestaresponsabilidadetambémempúblico.Aofazê-lo,nãotemapenasdedefenderaterra,aáguaeoarcomodonsdacriaçãoquepertencematodos,masdevesobretudoprotegerohomemdadestruiçãodesimesmo.Requer-seumaespéciedeecologiadohomem,entendidanojustosentido.Defacto,adegradaçãodanaturezaestáestreitamenteligadaàculturaquemoldaaconvivênciahumana:quandoa«ecologiahumana»[124]érespeitadadentrodasociedade,beneficiatambémaecologiaambiental.Talcomoasvirtudeshumanassãointercomunicantes,demodoqueoenfraquecimentodeumapõeemriscotambémasoutras,assimtambémosistemaecológicoseregesobreorespeitodeumprojectoquesereferetantoàsãconvivênciaemsociedadecomoaobomrelacionamentocomanatureza.
Parapreservaranaturezanãobastaintervircomincentivosoupenalizaçõeseconómicas,nemésuficienteumainstruçãoadequada.Trata-sedeinstrumentosimportantes,masoproblemadecisivoéasolidezmoraldasociedadeemgeral.Senãoérespeitadoodireitoàvidaeàmortenatural,sesetornaartificialaconcepção,agestaçãoeonascimentodohomem,sesãosacrificadosembriõeshumanosnapesquisa,aconsciênciacomumacabaporperderoconceitodeecologiahumanae,comele,odeecologiaambiental.Éumacontradiçãopediràsnovasgeraçõesorespeitodoambientenatural,quandoaeducaçãoeasleisnãoasajudamarespeitar-seasimesmas.Olivrodanaturezaéunoeindivisível,tantosobreavertentedoambientecomosobreavertentedavida,dasexualidade,domatrimónio,dafamília,dasrelaçõessociais,numapalavra,dodesenvolvimentohumanointegral.Osdeveresquetemosparacomoambienteestãoligadoscomosdeveresquetemosparacomapessoaconsideradaemsimesmaeemrelaçãocomosoutros;nãosepodemexigirunseespezinharosoutros.Estaéumagraveantinomiadamentalidadeedocostumeactual,queaviltaapessoa,transtornaoambienteeprejudicaasociedade.
52.Averdadeeoamorqueamesmadesvendanãosepodemproduzir,masapenasacolher.Asuafonteúltimanãoé—nempodeser—ohomem,masDeus,ouseja,AquelequeéVerdadeeAmor.Esteprincípioémuitoimportanteparaasociedadeeparaodesenvolvimento,enquantonemumanemoutropodemsersomenteprodutoshumanos;aprópriavocaçãoaodesenvolvimentodaspessoasedospovosnãosefundasobreasimplesdeliberaçãohumana,masestáinscritanumplanoquenosprecedeeconstituiparatodosnósumdeverquehá-deserlivrementeassumido.Aquiloquenosprecedeeconstitui—oAmoreaVerdadesubsistentes—indica-nosoqueéobemeemqueconsisteanossafelicidade.E,porconseguinte,aponta-nosocaminhoparaoverdadeirodesenvolvimento.
CAPÍTULOV
ACOLABORAÇÃO
DAFAMÍLIAHUMANA
53.Umadaspobrezasmaisprofundasqueohomempodeexperimentaréasolidão.Vistasbemascoisas,asoutraspobrezas,incluindoamaterial,tambémnascemdoisolamento,denãoseramadooudadificuldadedeamar.AspobrezasfrequentementenasceramdarecusadoamordeDeus,deumaorigináriaetrágicareclusãodohomememsipróprio,quepensaquesebastaasimesmoouentãoqueésóumfactoinsignificanteepassageiro,um«estrangeiro»numuniversoformadoporacaso.Ohomemaliena-sequandoficasozinhoouseafastadarealidade,quandorenunciaapensareacrernumFundamento[125].Ahumanidadeinteiraaliena-sequandoseentregaaprojectosunicamentehumanos,aideologiaseafalsasutopias[126].Ahumanidadeaparece,hoje,muitomaisinteractivadoquenopassado:estamaiorproximidadedevetransformar-seemverdadeiracomunhão.Odesenvolvimentodospovosdependesobretudodoreconhecimentoquesãoumasófamília,aqualcolaboraemverdadeiracomunhãoeéformadaporsujeitosquenãoselimitamaviverunsaoladodosoutros[127].
ObservavaPauloVIque«omundosofreporfaltadeconvicções»[128].Aafirmaçãoquerexprimirnãoapenasumaconstatação,massobretudoumvoto:serveumnovoímpetodopensamentoparacompreendermelhorasimplicaçõesdofactodesermosumafamília;ainteracçãoentreospovosdaterrachama-nosaesteímpeto,paraqueaintegraçãoseverifiquesobosignodasolidariedade[129],enãodamarginalização.Talpensamentoobrigaaumaprofundamentocríticoeaxiológicodacategoriarelação.Trata-sedeumatarefaquenãopodeserdesempenhadasópelasciênciassociais,masrequeracontribuiçãodeciênciascomoametafísicaeateologiaparaverlucidamenteadignidadetranscendentedohomem.
Denaturezaespiritual,acriaturahumanarealiza-senasrelaçõesinterpessoais:quantomaisasvivedeformaautêntica,tantomaisamadureceaprópriaidentidadepessoal.Nãoéisolando-sequeohomemsevalorizaasimesmo,masrelacionando-secomosoutrosecomDeus,peloqueestasrelaçõessãodeimportânciafundamental.Istovaletambémparaospovos;porissoémuitoútilparaoseudesenvolvimentoumavisãometafísicadarelaçãoentreaspessoas.Atalrespeito,arazãoencontrainspiraçãoeorientaçãonarevelaçãocristã,segundoaqualacomunidadedoshomensnãoabsorveemsiapessoaaniquilandoasuaautonomia,comoacontecenasváriasformasdetotalitarismo,masvaloriza-aaindamaisporquearelaçãoentrepessoaecomunidadeéfeitadeumtodoparaoutrotodo[130].DomesmomodoqueacomunidadefamiliarnãoanulaemsiaspessoasqueacompõemeaprópriaIgrejavalorizaplenamentea«novacriatura»(Gal6,15;2Cor5,17)quepelobaptismoseinserenoseuCorpovivo,assimtambémaunidadedafamíliahumananãoanulaemsiaspessoas,ospovoseasculturas,mastorna-osmaistransparentesreciprocamente,maisunidosnassuaslegítimasdiversidades.
54.Otemadodesenvolvimentocoincidecomodainclusãorelacionaldetodasaspessoasedetodosospovosnaúnicacomunidadedafamíliahumana,queseconstróinasolidariedadetendoporbaseosvaloresfundamentaisdajustiçaedapaz.EstaperspectivaencontraumdecisivoesclarecimentonarelaçãoentreasPessoasdaTrindadenaúnicaSubstânciadivina.ATrindadeéabsolutaunidade,enquantoastrêsPessoasdivinassãopurarelação.AtransparênciarecíprocaentreasPessoasdivinaséplena,ealigaçãodeumacomaoutratotal,porqueconstituemumaunidadeeunicidadeabsoluta.Deusquer-nosassociartambémaestarealidadedecomunhão:«paraquesejamumcomoNóssomosum»(Jo17,22).AIgrejaésinaleinstrumentodestaunidade[131].Asprópriasrelaçõesentreoshomens,aolongodahistória,sópodemganharcomareferênciaaesteModelodivino.Demodoparticularcompreende-se,àluzdomistérioreveladodaTrindade,queaverdadeiraaberturanãosignificadispersãocentrífuga,masprofundacompenetração.Omesmoresultadasexperiênciashumanascomunsdoamoredaverdade.Comooamorsacramentalentreosesposososuneespiritualmenteapontodeformarem«umasócarne»(Gn2,24;Mt19,5;Ef5,31)e,dedoisqueeram,fazumaunidaderelacionalereal,deformaanálogaaverdadeuneosespíritosentresiefá-lospensaremuníssono,atraindo-oseunindo-osnela.
55.Arevelaçãocristãsobreaunidadedogénerohumanopressupõeumainterpretaçãometafísicadohumanumnaqualarelaçãosejaelementoessencial.Tambémoutrasculturaseoutrasreligiõesensinamafraternidadeeapaz,revestindo-se,porisso,degrandeimportânciaparaodesenvolvimentohumanointegral;masnãofaltamcomportamentosreligiososeculturaisemquenãoseassumeplenamenteoprincípiodoamoredaverdade,eacaba-seassimporrefrearoverdadeirodesenvolvimentohumanooumesmoimpedi-lo.Omundoactualregistaapresençadealgumasculturasdematizreligiosoquenãoempenhamohomemnacomunhão,masisolam-nonabuscadobem-estarindividual,limitando-seasatisfazerosseusanseiospsicológicos.Tambémumacertaproliferaçãodepercursosreligiososdepequenosgruposoumesmodepessoasindividuaiseosincretismoreligiosopodemserfactoresdedispersãoedeapatia.Umpossívelefeitonegativodoprocessodeglobalizaçãoéatendênciaafavorecertalsincretismo[132],alimentandoformasde«religião»que,emvezdefazeraspessoasencontrarem-se,alheiam-nasumasdasoutraseafastam-nasdarealidade.Simultaneamenteàsvezesperduramlegadosculturaisereligiososquebloqueiamasociedadeemcastassociaisestáticas,emcrençasmágicasnãorespeitadorasdadignidadedapessoa,emcomportamentosdesujeiçãoaforçasocultas.Nestescontextos,oamoreaverdadeencontramdificuldadeemafirmar-se,comprejuízoparaoautênticodesenvolvimento.
Porestemotivo,seéverdade,porumlado,queodesenvolvimentotemnecessidadedasreligiõesedasculturasdosdiversospovos,poroutro,nãooémenosanecessidadedeumadequadodiscernimento.Aliberdadereligiosanãosignificaindiferentismoreligioso,nemimplicaquetodasasreligiõessejamiguais[133].Paraaconstruçãodacomunidadesocialnorespeitodobemcomum,torna-senecessário,sobretudoparaquemexerceopoderpolítico,odiscernimentosobreocontributodasculturasedasreligiões.Taldiscernimentodeverábasear-sesobreocritériodacaridadeedaverdade.Dadoqueestáemjogoodesenvolvimentodaspessoasedospovos,aquelehá-deteremcontaapossibilidadedeemancipaçãoedeinclusãonaperspectivadeumacomunidadehumanaverdadeiramenteuniversal.Ocritério«ohomemtodoetodososhomens»serveparaavaliartambémasculturaseasreligiões.Ocristianismo,religiãodo«Deusderostohumano»[134],trazemsimesmotalcritério.
56.Areligiãocristãeasoutrasreligiõessópodemdaroseucontributoparaodesenvolvimento,seDeusencontrarlugartambémnaesferapública,nomeadamentenasdimensõescultural,social,económicaeparticularmentepolítica.AdoutrinasocialdaIgrejanasceuparareivindicareste«estatutodecidadania»[135]dareligiãocristã.Anegaçãododireitodeprofessarpublicamenteaprópriareligiãoedefazercomqueasverdadesdafémoldemavidapública,acarretaconsequênciasnegativasparaoverdadeirodesenvolvimento.Aexclusãodareligiãodoâmbitopúblicoe,navertenteoposta,ofundamentalismoreligiosoimpedemoencontroentreaspessoaseasuacolaboraçãoparaoprogressodahumanidade.Avidapúblicatorna-sepobredemotivações,eapolíticaassumeumrostooprimenteeagressivo.Osdireitoshumanoscorremoriscodenãoserrespeitados,ouporqueficamprivadosdoseufundamentotranscendenteouporquenãoéreconhecidaaliberdadepessoal.Nolaicismoenofundamentalismo,perde-seapossibilidadedeumdiálogofecundoedeumaprofícuacolaboraçãoentrearazãoeaféreligiosa.Arazãotemsemprenecessidadedeserpurificadapelafé;eistovaletambémparaarazãopolítica,quenãosedevecreromnipotente.Areligião,porsuavez,precisasempredeserpurificadapelarazão,paramostraroseuautênticorostohumano.Arupturadestediálogoimplicaumcustomuitogravosoparaodesenvolvimentodahumanidade.
57.Odiálogofecundoentreféerazãonãopodedeixardetornarmaiseficazaacçãodacaridadenasociedade,econstituioquadromaisapropriadoparaincentivaracolaboraçãofraternaentrecrentesenãocrentesnaperspectivacomumdetrabalharpelajustiçaeapazdahumanidade.NaconstituiçãopastoralGaudiumetspes,osPadresconciliaresafirmavam:«Tudoquantoexistesobreaterradeveserordenadoemfunçãodohomem,comoseucentroeseutermo:nestepontoexisteumacordoquasegeralentrecrentesenãocrentes»[136].Segundooscrentes,omundonãoéfrutodoacasonemdanecessidade,masdeumprojectodeDeus.Daquinasceodeverqueoscrentestêmdeunirosseusesforçoscomtodososhomensemulheresdeboavontadedeoutrasreligiõesounãocrentes,paraqueestenossomundocorrespondaefectivamenteaoprojectodivino:vivercomoumafamília,soboolhardoseuCriador.Particularmanifestaçãodacaridadeecritérioorientadorparaacolaboraçãofraternadecrentesenãocrentesé,semdúvida,oprincípiodesubsidiariedade[137],expressãodainalienávelliberdadehumana.Asubsidiariedadeé,antesdemaisnada,umaajudaàpessoa,naautonomiadoscorposintermédios.Talajudaéoferecidaquandoapessoaeossujeitossociaisnãoconseguemoperarporsisós,eimplicasemprefinalidadesemancipativas,porquefavorecealiberdadeeaparticipaçãoenquantoassunçãoderesponsabilidades.Asubsidiariedaderespeitaadignidadedapessoa,naqualvêumsujeitosemprecapazdedaralgoaosoutros.Aoreconhecernareciprocidadeaconstituiçãoíntimadoserhumano,asubsidiariedadeéoantídotomaiseficazcontratodaaformadeassistencialismopaternalista.Podemotivartantoamúltiplaarticulaçãodosváriosníveiseconsequentementeapluralidadedossujeitos,comoasuacoordenação.Trata-se,pois,deumprincípioparticularmenteidóneoparagovernaraglobalizaçãoeorientá-laparaumverdadeirodesenvolvimentohumano.Paranãosegerarumperigosopoderuniversaldetipomonocrático,ogovernodaglobalizaçãodeveserdetiposubsidiário,articuladosegundováriosediferenciadosníveisquecolaboremreciprocamente.Aglobalizaçãotemnecessidade,semdúvida,deautoridade,enquantopõeoproblemadeumbemcomumglobalaalcançar;mastalautoridadedeveráserorganizadademodosubsidiárioepoliárquico[138],sejaparanãolesaraliberdade,sejapararesultarconcretamenteeficaz.
58.Oprincípiodesubsidiariedadehá-desermantidoestritamenteligadocomoprincípiodesolidariedadeevice-versa,porque,seasubsidiariedadesemasolidariedadedecainoparticularismosocial,asolidariedadesemasubsidiariedadedecainoassistencialismoquehumilhaosujeitonecessitado.Estaregradecaráctergeraldevesertidaemgrandeconsideraçãotambémquandoseenfrentamastemáticasreferentesàsajudasinternacionaisdestinadasaodesenvolvimento.Estas,independentementedasintençõesdosdoadores,podemporvezesmanterumpovonumestadodedependênciaeatéfavorecersituaçõesdesujeiçãolocaledeexploraçãodentrodopaísajudado.Paraseremverdadeiramentetais,asajudaseconómicasnãodevemvisarsegundosfins.Hão-deserconcedidasenvolvendonãosóosgovernosdospaísesinteressados,mastambémosagenteseconómicoslocaiseossujeitosdasociedadecivilportadoresdecultura,incluindoasIgrejaslocais.Osprogramasdeajudadevemassumirsempremaisascaracterísticasdeprogramasintegradoseparticipadosapartirdebaixo.Averdadeéqueomaiorrecursoavalorizarnospaísesquesãoassistidosnodesenvolvimentoéorecursohumano:esteéoautênticocapitalquesehá-defazercrescerparaasseguraraospaísesmaispobresumverdadeirofuturoautónomo.Háquerecordartambémque,nocampoeconómico,aprincipalajudadequetêmnecessidadeospaísesemviasdedesenvolvimentoéadepermitirefavoreceraprogressivainserçãodosseusprodutosnosmercadosinternacionais,tornandopossívelassimasuaplenaparticipaçãonavidaeconómicainternacional.Muitasvezes,nopassado,asajudasserviramapenasparacriarmercadosmarginaisparaosprodutosdestespaíses.Isto,frequentemente,ficaadever-seàfaltadeumaverdadeiraprocuradestesprodutos;porisso,énecessárioajudartaispaísesamelhorarosseusprodutoseaadaptá-losmelhoràprocura.Alémdisso,algunstememaconcorrênciadasimportaçõesdeprodutos,normalmenteagrícolas,provenientesdospaíseseconomicamentepobres;contudodevem-serecordarque,paraestespaíses,apossibilidadedecomercializartaisprodutossignificamuitasvezesgarantirasuasobrevivênciaabreveelongoprazo.Umcomérciointernacionaljustoeequilibradonocampoagrícolapodetrazerbenefíciosatodos,querdoladodaofertaquerdoladodaprocura.Porestemotivo,éprecisonãosóorientarcomercialmenteestasproduções,mastambémestabelecerregrascomerciaisinternacionaisqueasapoiemereforçarofinanciamentoaodesenvolvimentoparatornarmaisprodutivasestaseconomias.
59.Acooperaçãonodesenvolvimentonãodevelimitar-seapenasàdimensãoeconómica,mashá-detornar-seumagrandeocasiãodeencontroculturalehumano.Seossujeitosdacooperaçãodospaíseseconomicamentedesenvolvidosnãotêmemconta—comoàsvezessucede—aidentidadecultural,própriaealheia,feitadevaloreshumanos,nãopodeminstauraralgumdiálogoprofundocomoscidadãosdospaísespobres.Seestes,porsuavez,seabremindiferentementeesemdiscernimentoaqualquerpropostacultural,ficamsemcondiçõesparaassumiraresponsabilidadedoseuautênticodesenvolvimento[139].Associedadestecnologicamenteavançadasnãodevemconfundiroprópriodesenvolvimentotecnológicocomumasupostasuperioridadecultural,mashão-dedescobriremsiprópriasvirtudes,porvezesesquecidas,queasfizeramfloresceraolongodahistória.Associedadesemcrescimentodevempermanecerfiéisatudooquehádeverdadeiramentehumanonassuastradições,evitandodelhesobreporautomaticamenteosmecanismosdacivilizaçãotecnológicaglobalizada.Existem,emtodasasculturas,singularesevariadasconvergênciaséticas,expressãodeumamesmanaturezahumanaqueridapeloCriadorequeasabedoriaéticadahumanidadechamaleinatural[140].Estaleimoraluniversaléumfundamentofirmedetodoodiálogocultural,religiosoepolíticoepermitequeomultiformepluralismodasváriasculturasnãosedesviedabuscacomumdaverdade,dobemedeDeus.Porisso,aadesãoaestaleiescritanoscoraçõeséopressupostodequalquercolaboraçãosocialconstrutiva.Emtodasasculturasexistempesosdequelibertar-se,sombrasaquesubtrair-se.Afécristã,queseencarnanasculturastranscendendo-as,podeajudá-lasacrescernafraternizaçãoesolidariedadeuniversaiscombenefícioparaodesenvolvimentocomunitárioemundial.
60.Quandoseprocuraremsoluçõesparaacriseeconómicaactual,aajudaaodesenvolvimentodospaísespobresdeveserconsideradacomoverdadeiroinstrumentodecriaçãoderiquezaparatodos.Queprojectodeajudapodeabrirperspectivastãosignificativasdemaisvalia—mesmodaeconomiamundial—comooapoioapopulaçõesqueseencontramaindanumafaseinicialoupoucoavançadadoseuprocessodedesenvolvimentoeconómico?Nestalinha,osEstadoseconomicamentemaisdesenvolvidoshão-defazeropossívelpordestinarquotasmaioresdoseuprodutointernobrutoparaasajudasaodesenvolvimento,respeitandooscompromissosque,sobreesteponto,foramtomadosaníveldecomunidadeinternacional.Poderãofazê-loinclusivamenterevendoaspolíticasinternasdeassistênciaedesolidariedadesocial,aplicando-lhesoprincípiodesubsidiariedadeecriandosistemasmaisintegrativosdeprevidênciasocial,comaparticipaçãoactivadossujeitosprivadosedasociedadecivil.Destemodo,pode-seatémelhorarosserviçossociaisedeassistênciaesimultaneamentepouparrecursos,eliminandodesperdíciosesubvençõesabusivas,paradestinaràsolidariedadeinternacional.Umsistemadesolidariedadesocialmelhorcomparticipadoeorganizado,menosburocráticosemficarmenoscoordenado,permitiriavalorizarmuitasenergias,hojeadormecidas,embenefíciotambémdasolidariedadeentreospovos.
Umapossibilidadedeajudaparaodesenvolvimentopoderiaderivardaaplicaçãoeficazdachamadasubsidiariedadefiscal,quepermitiriaaoscidadãosdecidiremadestinaçãodequotasdosseusimpostosversadosaoEstado.Evitandodegeneraçõesparticularistas,issopodeservirdeincentivoparaformasdesolidariedadesocialapartirdebaixo,comóbviosbenefíciostambémnavertentedasolidariedadeparaodesenvolvimento.
61.Umasolidariedademaisamplaanívelinternacionalexprime-se,antesdemaisnada,continuandoapromover,mesmoemcondiçõesdecriseeconómica,maioracessoàeducação,jáqueestaécondiçãoessencialparaaeficáciadaprópriacooperaçãointernacional.Comotermo«educação»,nãosepretendereferirapenasàinstruçãoescolarouàformaçãoparaotrabalho—ambas,causasimportantesdedesenvolvimento—masàformaçãocompletadapessoa.Aestepropósito,deve-sesublinharumaspectodoproblema:paraeducar,éprecisosaberqueméapessoahumana,conhecerasuanatureza.Aprogressivadifusãodeumavisãorelativistadestacolocasériosproblemasàeducação,sobretudoàeducaçãomoral,prejudicandoasuaextensãoaníveluniversal.Cedendoatalrelativismo,ficamtodosmaispobres,comconsequênciasnegativastambémsobreaeficáciadaajudaàspopulaçõesmaiscarecidas,quenãotêmnecessidadeapenasdemeioseconómicosoutécnicos,mastambémdemétodosemeiospedagógicosqueajudemaspessoasachegaràsuaplenarealizaçãohumana.
Umexemplodarelevânciadesteproblematemo-lonofenómenodoturismointernacional[141],quepodeconstituirnotávelfactordedesenvolvimentoeconómicoedecrescimentocultural,maspodetambémtransformar-seemocasiãodeexploraçãoedegradaçãomoral.Asituaçãoactualoferecesingularesoportunidadesparaqueosaspectoseconómicosdodesenvolvimento,ouseja,osfluxosdedinheiroeonascimentoemsedelocaldesignificativasexperiênciasempresariais,cheguemacombinar-secomosaspectosculturais,sendooeducativooprimeirodeles.Hácasosondeissoocorre,masemmuitosoutrosoturismointernacionaléfenómenodeseducativotantoparaoturistacomoparaaspopulaçõeslocais.Comfrequência,estassãoconfrontadascomcomportamentosimoraisoumesmoperversos,comonocasodochamadoturismosexual,emquesãosacrificadosmuitossereshumanos,mesmodetenraidade.Édolorosoconstatarqueistoacontecefrequentementecomoavaldosgovernoslocais,comosilênciodosgovernosdondeprovêmosturistasecomacumplicidadedemuitosagentesdosector.Mesmoquandonãosechegatãolonge,oturismointernacionalnãoraramenteévividodemodoconsumistaehedonista,comoevasãoecommodalidadesdeorganizaçãotípicasdospaísesdeproveniência,eassimnãosefavoreceumverdadeiroencontroentrepessoaseculturas.Porisso,éprecisopensarnumturismodiverso,capazdepromoververdadeiroconhecimentorecíproco,semtirarespaçoaorepousoeaosãodivertimento:umturismodestegénerohá-deserincrementado,graçastambémaumaligaçãomaisestreitacomasexperiênciasdecooperaçãointernacionaledeempresariadoparaodesenvolvimento.
62.Outroaspectomerecedordeatenção,aotratardodesenvolvimentohumanointegral,éofenómenodasmigrações.Éumfenómenoimpressionantepelaquantidadedepessoasenvolvidas,pelasproblemáticassociais,económicas,políticas,culturaisereligiosasquelevanta,pelosdesafiosdramáticosquecolocaàscomunidadesnacionaleinternacional.Pode-sedizerqueestamosperanteumfenómenosocialdenaturezaepocal,querequerumaforteeclarividentepolíticadecooperaçãointernacionalparaserconvenientementeenfrentado.Estapolíticahá-deserdesenvolvidaapartirdeumaestreitacolaboraçãoentreospaísesdondepartemosemigranteseospaísesdechegada;há-deseracompanhadaporadequadasnormativasinternacionaiscapazesdeharmonizarosdiversossistemaslegislativos,naperspectivadesalvaguardarasexigênciaseosdireitosdaspessoasedasfamíliasemigradase,aomesmotempo,osdassociedadesdechegadadosprópriosemigrantes.Nenhumpaíssepodeconsiderarcapazdeenfrentar,sozinho,osproblemasmigratóriosdonossotempo.Todossomostestemunhasdacargadesofrimentos,contrariedadeseaspiraçõesqueacompanhaosfluxosmigratórios.Comoésabido,ofenómenoédegestãocomplicada;todaviaécertoqueostrabalhadoresestrangeiros,nãoobstanteasdificuldadesrelacionadascomasuaintegração,prestamcomoseutrabalhoumcontributosignificativoparaodesenvolvimentoeconómicodopaísdeacolhimentoetambémdopaísdeorigemcomasremessasmonetárias.Obviamente,taistrabalhadoresnãopodemserconsideradoscomosimplesmercadoriaoumeraforçadetrabalho;porisso,nãodevemsertratadoscomoqualqueroutrofactordeprodução.Todooimigranteéumapessoahumanae,enquantotal,possuidireitosfundamentaisinalienáveisquehão-deserrespeitadosportodosemqualquersituação[142].
63.Aoconsiderarosproblemasdodesenvolvimento,nãosepodedeixardepôremevidênciaonexodirectoentrepobrezaedesemprego.Emmuitoscasos,ospobressãooresultadodaviolaçãodadignidadedotrabalhohumano,sejaporqueassuaspossibilidadessãolimitadas(desemprego,subemprego),sejaporquesãodesvalorizados«osdireitosquedelebrotam,especialmenteodireitoaojustosalário,àsegurançadapessoadotrabalhadoredasuafamília»[143].Porisso,jánodia1deMaiode2000,omeupredecessorJoãoPauloII,deveneradamemória,lançouumapelo,porocasiãodoJubileudosTrabalhadores,para«umacoligaçãomundialemfavordotrabalhodecente»[144],encorajandoaestratégiadaOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho.Conferia,assim,umafortevalênciamoralaesteobjectivo,enquantoaspiraçãodasfamíliasemtodosospaísesdomundo.Qualéosignificadodapalavra«decência»aplicadaaotrabalho?Significaumtrabalhoque,emcadasociedade,sejaaexpressãodadignidadeessencialdetodoohomememulher:umtrabalhoescolhidolivremente,queassocieeficazmenteostrabalhadores,homensemulheres,aodesenvolvimentodasuacomunidade;umtrabalhoque,destemodo,permitaaostrabalhadoresseremrespeitadossemqualquerdiscriminação;umtrabalhoqueconsintasatisfazerasnecessidadesdasfamíliasedaraescolaridadeaosfilhos,semqueestessejamconstrangidosatrabalhar;umtrabalhoquepermitaaostrabalhadoresorganizarem-selivrementeefazeremouvirasuavoz;umtrabalhoquedeixeespaçosuficienteparareencontrarasprópriasraízesanívelpessoalfamiliareespiritual;umtrabalhoqueassegureaostrabalhadoresaposentadosumacondiçãodecorosa.
64.Aoreflectirsobreestetemadotrabalho,éoportunaumachamadadeatençãotambémparaaurgentenecessidadedeasorganizaçõessindicaisdostrabalhadores–desdesempreencorajadaseapoiadaspelaIgreja—seabriremàsnovasperspectivasquesurgemnoâmbitolaboral.Superandoaslimitaçõesprópriasdossindicatosdecategoria,asorganizaçõessindicaissãochamadasaresponsabilizar-sepelosnovosproblemasdasnossassociedades:refiro-me,porexemplo,aoconjuntodequestõesqueosperitosdeciênciassociaisidentificamnoconflitoentrepessoa-trabalhadoraepessoa-consumidora.Semternecessariamentedeabraçaratesedumaefectivapassagemdacentralidadedotrabalhadorparaadoconsumidor,pareceemtodoocasoquetambémestesejaumterrenoparaexperiênciassindicaisinovadoras.Ocontextoglobalemqueserealizaotrabalhorequerigualmentequeasorganizaçõessindicaisnacionais,fechadasprevalentementenadefesadosinteressesdosprópriosinscritos,volvamoolhartambémparaosnãoinscritos,particularmenteparaostrabalhadoresdospaísesemviasdedesenvolvimento,ondefrequentementeosdireitossociaissãoviolados.Adefesadestestrabalhadores,promovidacomoportunasiniciativastambémnospaísesdeorigem,permitiráàsorganizaçõessindicaisporememevidênciaasautênticasrazõeséticaseculturaisquelhesconsentiram,emcontextossociaiselaboraisdiferentes,serumfactordecisivoparaodesenvolvimento.ContinuasempreválidooensinamentodaIgrejaquepropõeadistinçãodepapéisefunçõesentresindicatoepolítica.Estadistinçãopossibilitaráàsorganizaçõessindicaisindividualizaremnasociedadeciviloâmbitomaisajustadoparaasuaacçãonecessáriadedefesaepromoçãodomundodotrabalho,sobretudoafavordostrabalhadoresexploradosenãorepresentados,cujaamargacondiçãoresultafrequentementeignoradapeloolhardistraídodasociedade.
65.Emseguida,éprecisoqueasfinançasenquantotais—comestruturasemodalidadesdefuncionamentonecessariamenterenovadasdepoisdasuamáutilizaçãoqueprejudicouaeconomiareal—voltemaseruminstrumentoquetenhaemvistaamelhorproduçãoderiquezaeodesenvolvimento.Enquantoinstrumentos,aeconomiaeasfinançasemtodaarespectivaextensão,enãoapenasemalgunsdosseussectores,devemserutilizadasdemodoéticoafimdecriarascondiçõesadequadasparaodesenvolvimentodohomemedospovos.Écertamenteútil,senãomesmoindispensávelemcertascircunstâncias,darvidaainiciativasfinanceirasnasquaispredomineadimensãohumanitária.Isto,porém,nãodevefazeresquecerqueointeirosistemafinanceirodeveserorientadoparadarapoioaumverdadeirodesenvolvimento.Sobretudo,énecessárioquenãosecontraponhaointuitodefazerobemaodaefectivacapacidadedeproduzirbens.Osoperadoresdasfinançasdevemredescobrirofundamentoéticoprópriodasuaactividade,paranãoabusaremdeinstrumentossofisticadosquepossamatraiçoarosaforradores.Rectaintenção,transparênciaebuscadebonsresultadossãocompatíveisentresienãodevemjamaisserseparados.Seoamoréinteligente,sabeencontrartambémosmodosparaagirsegundoumaprevidenteejustaconveniência,comosignificativamenteindicammuitasexperiênciasnocampodocréditocooperativo.
Tantoumaregulamentaçãodosectorcapazdeassegurarossujeitosmaisdébeiseimpedirescandalosasespeculações,comoaexperimentaçãodenovasformasdefinanciamentodestinadasafavorecerprojectosdedesenvolvimento,sãoexperiênciaspositivasquehão-deseraprofundadaseencorajadas,invocandoaresponsabilidadeprópriadoaforrador.Tambémaexperiênciadomicro-financiamento,quemergulhaasprópriasraízesnareflexãoenasobrasdoshumanistascivis(pensonomeadamentenonascimentodosmontepios),há-deserrevigoradaesistematizada,sobretudonestestemposemqueosproblemasfinanceirospodemtornar-sedramáticosparamuitossectoresmaisvulneráveisdapopulação,quedevemsertuteladosdosriscosdeusuraoudodesespero.Ossujeitosmaisdébeishão-desereducadosparasedefenderdausura,domesmomodoqueospovospobresdevemsereducadosparatirarrealvantagemdomicro-crédito,desencorajandoassimasformasdeexploraçãopossíveisnestesdoiscampos.Umavezqueexistemnovasformasdepobrezatambémnospaísesricos,omicro-financiamentopodeproporcionarajudasconcretasparaacriaçãodeiniciativasesectoresnovosemfavordasclassesdébeisdasociedademesmonumafasedepossívelempobrecimentodaprópriasociedade.
66.Ainterligaçãomundialfezsurgirumnovopoderpolítico:odosconsumidoresedassuasassociações.Trata-sedeumfenómenocarecidodeaprofundamento,comelementospositivosquehão-deserincentivadoseexcessosquesedevemevitar.Ébomqueaspessoasganhemconsciênciadequeaacçãodecomprarésempreumactomoral,paraalémdeeconómico.Porisso,aoladodaresponsabilidadesocialdaempresa,háumaespecíficaresponsabilidadesocialdoconsumidor.Estehá-desereducado[145],semcessar,paraopapelqueexercediariamenteequepodedesempenharnorespeitodosprincípiosmorais,semdiminuiraracionalidadeeconómicaintrínsecaaoactodecomprar.Tambémnosectordascompras—precisamenteemtemposcomoosqueseestãoexperimentandoequevêemopoderdecomprareduzir-se,devendoporconseguinteconsumircommaiorsobriedade—énecessáriopercorreroutrasestradascomo,porexemplo,formasdecooperaçãoparaascomprasàsemelhançadascooperativasdeconsumoactivasapartirdoséculoXIXgraçasàiniciativadoscatólicos.Alémdisso,éútilfavorecerformasnovasdecomercializaçãodeprodutosprovenientesdeáreaspobresdaterraparagarantirumaretribuiçãodecenteaosprodutores,contantoquesetratedeummercadoverdadeiramentetransparente,queosprodutoresnãousufruamapenasdeumamargemmaiordelucromastambémdemaiorformação,profissionalizaçãoetecnologia,eque,enfim,nãoseincluamemtaisexperiênciasdeeconomiavisõesideológicasdeparte.Umpapelmaisincisivodosconsumidores,desdequenãosejamelesprópriosmanipuladosporassociaçõesnãoverdadeiramenterepresentativas,édesejávelcomofactordedemocraciaeconómica.
67.Peranteocrescimentoincessantedainterdependênciamundial,sente-seimenso—mesmonomeiodeumarecessãoigualmentemundial—aurgênciadeumareformaquerdaOrganizaçãodasNaçõesUnidasquerdaarquitecturaeconómicaefinanceirainternacional,paraquesejapossívelumarealconcretizaçãodoconceitodefamíliadenações.Deigualmodosente-seaurgênciadeencontrarformasinovadorasparaactuaroprincípiodaresponsabilidadedeproteger[146]eparaatribuirtambémàsnaçõesmaispobresumavozeficaznasdecisõescomuns.Istorevela-senecessárioprecisamentenoâmbitodeumordenamentopolítico,jurídicoeeconómicoqueincrementeeguieacolaboraçãointernacionalparaodesenvolvimentosolidáriodetodosospovos.Paraogovernodaeconomiamundial,parasanaraseconomiasatingidaspelacrisedemodoapreveniroagravamentodamesmaeemconsequênciamaioresdesequilíbrios,pararealizarumoportunoeintegraldesarmamento,asegurançaalimentareapaz,paragarantirasalvaguardadoambienteepararegulamentarosfluxosmigratóriosurgeapresençadeumaverdadeiraAutoridadepolíticamundial,delineadajápelomeupredecessor,oBeatoJoãoXXIII.AreferidaAutoridadedeveráregular-sepelodireito,ater-secoerentementeaosprincípiosdesubsidiariedadeesolidariedade,estarorientadaparaaconsecuçãodobemcomum[147],comprometer-senarealizaçãodeumautênticodesenvolvimentohumanointegralinspiradonosvaloresdacaridadenaverdade.Alémdisso,umatalAutoridadedeveráserreconhecidaportodos,gozardepoderefectivoparagarantiracadaumasegurança,aobservânciadajustiça,orespeitodosdireitos[148].Obviamente,devegozardafaculdadedefazercomqueaspartesrespeitemasprópriasdecisões,bemcomoasmedidascoordenadaseadoptadasnosdiversosfórunsinternacionais.Éque,seissofaltasse,odireitointernacional,nãoobstanteosgrandesprogressosrealizadosnosvárioscampos,correriaoriscodesercondicionadopelosequilíbriosdepoderentreosmaisfortes.Odesenvolvimentointegraldospovoseacolaboraçãointernacionalexigemquesejainstituídoumgrausuperiordeordenamentointernacionaldetiposubsidiárioparaogovernodaglobalização[149]equesedêfinalmenteactuaçãoaumaordemsocialconformeàordemmoraleàquelaligaçãoentreesferamoralesocial,entrepolíticaeesferaeconómicaecivilqueaparecejáperspectivadanoEstatutodasNaçõesUnidas.
CAPÍTULOVI
ODESENVOLVIMENTO
DOSPOVOSEATÉCNICA
68.Otemadodesenvolvimentodospovosestáintimamenteligadocomododesenvolvimentodecadaindivíduo.Porsuanatureza,apessoahumanaestádinamicamenteorientadaparaoprópriodesenvolvimento.Nãosetratadeumdesenvolvimentogarantidopormecanismosnaturais,porquecadaumdenóssabequeécapazderealizaropçõeslivreseresponsáveis;tambémnãosetratadeumdesenvolvimentoàmercêdonossocapricho,enquantotodossabemosquesomosdomenãoresultadodeauto-geração.Emnós,aliberdadeéoriginariamentecaracterizadapelonossoserepelosseuslimites.Ninguémplasmaarbitrariamenteaprópriaconsciência,mastodosformamaprópriapersonalidadesobreabasedumanaturezaquelhefoidada.Nãosãoapenasasoutraspessoasquesãoindisponíveis;tambémnósnãopodemosdisporarbitrariamentedenósmesmos.Odesenvolvimentodapessoadegrada-se,seelapretendeseraúnicaprodutoradesimesma.Deigualmodo,degeneraodesenvolvimentodospovos,seahumanidadepensaquesepodere-criarvalendo-sedos«prodígios»datecnologia.Analogamente,oprogressoeconómicorevela-sefictícioedanosoquandoseabandonaaos«prodígios»dasfinançasparaapoiarincrementosartificiaiseconsumistas.Peranteestapretensãoprometeica,devemosrobusteceroamorporumaliberdadenãoarbitrária,mastornadaverdadeiramentehumanapeloreconhecimentodobemqueaprecede.Comtalobjectivo,éprecisoqueohomemreentreemsimesmo,parareconhecerasnormasfundamentaisdaleimoralnaturalqueDeusinscreveunoseucoração.
69.Hoje,oproblemadodesenvolvimentoestáestreitamenteunidocomoprogressotecnológico,comassuasdeslumbrantesaplicaçõesnocampobiológico.Atécnica—ébomsublinhá-lo—éumdadoprofundamentehumano,ligadoàautonomiaeàliberdadedohomem.Nelaexprime-seeconfirma-seodomíniodoespíritosobreamatéria.Oespírito,«tornando-seassim‘‘maislibertodaescravidãodascoisas,podefacilmenteelevar-seaocultoeàcontemplaçãodoCriador''»[150].Atécnicapermitedominaramatéria,reduzirosriscos,pouparfadigas,melhorarascondiçõesdevida.Dárespostaàprópriavocaçãodotrabalhohumano:natécnica,consideradacomoobradogéniopessoal,ohomemreconhece-seasimesmoerealizaaprópriahumanidade.Atécnicaéoaspectoobjectivodoagirhumano[151],cujaorigemerazãodeserestãonoelementosubjectivo:ohomemqueactua.Porisso,aquelanuncaésimplesmentetécnica;masmanifestaohomemeassuasaspiraçõesaodesenvolvimento,exprimeatensãodoânimohumanoparaumagradualsuperaçãodecertoscondicionamentosmateriais.Assim,atécnicainsere-senomandatode«cultivareguardaraterra»(Gn2,15)queDeusconfiouaohomem,ehá-deserorientadaparareforçaraquelaaliançaentreserhumanoeambienteemquesedevereflectiroamorcriadordeDeus.
70.Odesenvolvimentotecnológicopodeinduziràideiadeauto-suficiênciadaprópriatécnica,quandoohomem,interrogando-seapenassobreocomo,deixadeconsiderarosmuitosporquêspelosquaiséimpelidoaagir.Porisso,atécnicaapresenta-secomumafisionomiaambígua.Nascidadacriatividadehumanacomoinstrumentodaliberdadedapessoa,podeserentendidacomoelementodeliberdadeabsoluta;aquelaliberdadequequerprescindirdoslimitesqueascoisastrazemconsigo.Oprocessodeglobalizaçãopoderiasubstituirasideologiascomatécnica[152],passandoestaaserumpoderideológicoqueexporiaahumanidadeaoriscodeseverfechadadentrodeumaprioridoqualnãopoderiasairparaencontrarosereaverdade.Emtalcaso,todosnósconheceríamos,avaliaríamosedecidiríamosassituaçõesdanossavidaapartirdointeriordeumhorizonteculturaltecnocrático,aoqualpertenceríamosestruturalmente,sempoderjamaisencontrarumsentidoquenãofosseproduzidopornós.Estavisãotornahojetãoforteamentalidadetecnicistaquefazcoincidiraverdadecomofactível.Mas,quandooúnicocritériodaverdadeéaeficiênciaeautilidade,odesenvolvimentoacabaautomaticamentenegado.Defacto,overdadeirodesenvolvimentonãoconsisteprimariamentenofazer;achavedodesenvolvimentoéumainteligênciacapazdepensaratécnicaedeindividualizarosentidoplenamentehumanodoagirdohomem,nohorizontedesentidodapessoavistanaglobalidadedoseuser.Mesmoquandoactuamedianteumsatéliteouumcomandoelectrónicoàdistância,oseuagircontinuasemprehumano,expressãodeumaliberdaderesponsável.Atécnicaseduzintensamenteohomem,porqueolivradaslimitaçõesfísicasealargaoseuhorizonte.Masaliberdadehumanasóoépropriamentequandorespondeàseduçãodatécnicacomdecisõesquesejamfrutoderesponsabilidademoral.Daqui,aurgênciadeumaformaçãoparaaresponsabilidadeéticanousodatécnica.Apartirdofascínioqueatécnicaexercesobreoserhumano,deve-serecuperaroverdadeirosentidodaliberdade,quenãoconsistenoinebriamentodeumaautonomiatotal,masnarespostaaoapelodoser,acomeçarpeloserquesomosnósmesmos.
71.Estapossibilidadedamentalidadetécnicasedesviardoseuoriginárioálveohumanistaressalta,hoje,nosfenómenosdatecnicizaçãododesenvolvimentoedapaz.Frequentementeodesenvolvimentodospovoséconsideradoumproblemadeengenhariafinanceira,deaberturadosmercados,dereduçãodastarifasaduaneiras,deinvestimentosprodutivos,dereformasinstitucionais;emsuma,umproblemaapenastécnico.Todosestesâmbitossãomuitoimportantes,masnãopodemosdeixardeinterrogar-nosporquemotivo,atéagora,asopçõesdetipotécnicotenhamresultadoapenasdemodorelativo.Arazãohá-deserprocuradamaisprofundamente.Odesenvolvimentonãoserájamaisgarantidocompletamenteporforçasdecertomodoautomáticaseimpessoais,sejamelasasdomercadoouasdapolíticainternacional.Odesenvolvimentoéimpossívelsemhomensrectos,semoperadoreseconómicosehomenspolíticosquesintamintensamenteemsuasconsciênciasoapelodobemcomum.Sãonecessáriastantoapreparaçãoprofissionalcomoacoerênciamoral.Quandoprevaleceaabsolutizaçãodatécnica,verifica-seumaconfusãoentrefinsemeios:comoúnicocritériodeacção,oempresárioconsideraráomáximolucrodaprodução;opolítico,aconsolidaçãodopoder;ocientista,oresultadodassuasdescobertas.Destemodosucedefrequentementeque,sobarededasrelaçõeseconómicas,financeirasoupolíticas,persistemincompreensões,contrariedadeseinjustiças;osfluxosdosconhecimentostécnicosmultiplicam-se,masembenefíciodosseusproprietários,enquantoasituaçãorealdaspopulaçõesquevivemsobtaisinfluxos,equasesemprenasuaignorância,permaneceimutávelesemefectivaspossibilidadesdeemancipação.
72.Àsvezes,tambémapazcorreoriscodeserconsideradacomoumaproduçãotécnica,frutoapenasdeacordosentregovernosoudeiniciativastendentesaassegurarajudaseconómicaseficientes.Éverdadequeaconstruçãodapazexigeumconstantetecimentodecontactosdiplomáticos,intercâmbioseconómicosetecnológicos,encontrosculturais,acordossobreprojectoscomuns,etambémaassunçãodeempenhoscompartilhadosparaconterasameaçasdetipobélicoecercearànascençaeventuaistentaçõesterroristas.Mas,paraquetaisesforçospossamproduzirefeitosduradouros,énecessárioqueseapoiemsobrevaloresradicadosnaverdadedavida.Poroutraspalavras,éprecisoouviravozdaspopulaçõesinteressadaseatenderàsituaçãodelasparainterpretaradequadamenteosseusanseios.Decertomodo,deve-secolocaremcontinuidadecomoesforçoanónimodetantaspessoasdecididamentecomprometidasapromoveroencontroentreospovoseafavorecerodesenvolvimentopartindodoamoredacompreensãorecíproca.Entretaispessoas,contam-setambémfiéiscristãos,empenhadosnagrandetarefadedaraodesenvolvimentoeàpazumsentidoplenamentehumano.
73.Ligadaaodesenvolvimentotecnológicoestáacrescentepresençadosmeiosdecomunicaçãosocial.Jáéquaseimpossívelimaginaraexistênciadafamíliahumanasemeles.Nobemenomal,estãodetalmodoencarnadosnavidadomundo,quepareceverdadeiramenteabsurdaaposiçãodequantosdefendemasuaneutralidade,reivindicandoemconsequênciaasuaautonomiarelativamenteàmoralquediriarespeitoàspessoas.Muitasvezestaisperspectivas,queenfatizamanaturezaestritamentetécnicadosmass-media,defactofavorecemasuasubordinaçãoacálculoseconómicos,aointuitodedominarosmercadose,nãoúltimo,aodesejodeimporparâmetrosculturaisemfunçãodeprojectosdepoderideológicoepolítico.Dadaaimportânciafundamentalquetêmnadeterminaçãodealteraçõesnomododelereconhecerarealidadeeaprópriapessoahumana,torna-senecessáriaumaatentareflexãosobreasuainfluênciaprincipalmentenadimensãoético-culturaldaglobalizaçãoedodesenvolvimentosolidáriodospovos.Comorequeridoporumacorrectagestãodaglobalizaçãoedodesenvolvimento,osentidoeafinalidadedosmass-mediadevemserbuscadosnofundamentoantropológico.Istoquerdizerqueosmesmospodemtornar-seocasiãodehumanização,nãosóquando,graçasaodesenvolvimentotecnológico,oferecemmaiorespossibilidadesdecomunicaçãoedeinformação,mastambémesobretudoquandosãoorganizadoseorientadosàluzdeumaimagemdapessoaedobemcomumquetraduzaosseusvaloresuniversais.Osmeiosdecomunicaçãosocialnãofavorecemaliberdadenemglobalizamodesenvolvimentoeademocraciaparatodos,simplesmenteporquemultiplicamaspossibilidadesdeinterligaçãoecirculaçãodasideias;paraalcançartaisobjectivos,éprecisoqueestejamcentradosnapromoçãodadignidadedaspessoasedospovos,animadosexpressamentepelacaridadeecolocadosaoserviçodaverdade,dobemedafraternidadenaturalesobrenatural.Defacto,nahumanidade,aliberdadeestáintrinsecamenteligadaaestesvaloressuperiores.Osmass-mediapodemconstituirumaválidaajudaparafazercresceracomunhãodafamíliahumanaeoethosdassociedades,quandosetornaminstrumentosdepromoçãodaparticipaçãouniversalnabuscacomumdaquiloqueéjusto.
74.Hoje,umcampoprimárioecrucialdalutaculturalentreoabsolutismodatécnicaearesponsabilidademoraldohomeméodabioética,ondesejogaradicalmenteaprópriapossibilidadedeumdesenvolvimentohumanointegral.Trata-sedeumâmbitodelicadíssimoedecisivo,ondeirrompe,comdramáticaintensidade,aquestãofundamentaldesaberseohomemseproduziuporsimesmooudependedeDeus.Asdescobertascientíficasnestecampoeaspossibilidadesdeintervençãotécnicaparecemtãoavançadasqueimpõemaescolhaentreestasduasconcepções:adarazãoabertaàtranscendênciaouadarazãofechadanaimanência.Está-seperanteumaopçãodecisiva.Noentantoaconcepçãoracionaldatecnologiacentradasobresimesmaapresenta-secomoirracional,porqueimplicaumadecididarejeiçãodosentidoedovalor.Nãoéporacasoqueaposiçãofechadaàtranscendênciasedefrontacomadificuldadedepensarcomotenhasidopossíveldonadaterbrotadooseredoacasoternascidoainteligência[153].Faceaestesdramáticosproblemas,razãoeféajudam-semutuamente;esóconjuntamentesalvarãoohomem:fascinadapelapuratecnologia,arazãosemaféestádestinadaaperder-senailusãodaprópriaomnipotência,enquantoafésemarazãocorreoriscodoalheamentodavidaconcretadaspessoas[154].
75.PauloVIjátinhareconhecidoeindicadoohorizontemundialdaquestãosocial[155].Prosseguindoporestaestrada,éprecisoafirmarquehojeaquestãosocialtornou-seradicalmenteantropológica,enquantotocaoprópriomodonãosódeconcebermastambémdemanipularavida,colocadacadavezmaisnasmãosdohomempelasbiotecnologias.Afecundaçãoinvitro,apesquisasobreosembriões,apossibilidadedaclonagemehibridaçãohumananascemepromovem-senaactualculturadodesencantototal,quepensaterdesvendadotodososmistériosporquejásechegouàraizdavida.Aquioabsolutismodatécnicaencontraasuamáximaexpressão.Emtalcultura,aconsciênciaéchamadaapenasaregistarumamerapossibilidadetécnica.Contudonãosepodeminimizaroscenáriosinquietantesparaofuturodohomemeosnovosepoderososinstrumentosquea«culturadamorte»temàsuadisposição.Àdifusaetrágicachagadoabortopoder-se-iajuntarnofuturo—emborasub-repticiamentejáestejapresenteinnuce—umasistemáticaplanificaçãoeugenéticadosnascimentos.Noextremooposto,vaiabrindocaminhoumamenseutanasica,manifestaçãonãomenosabusivadedomíniosobreavida,queéconsiderada,emcertascondições,comonãodignadeservivida.Pordetrásdestescenáriosencontram-seposiçõesculturaisnegacionistasdadignidadehumana.Porsuavez,estaspráticasestãodestinadasaalimentarumaconcepçãomaterialemecanicistadavidahumana.Quempoderámedirosefeitosnegativosdetalmentalidadesobreodesenvolvimento?Comopoderáalguémmaravilhar-secomaindiferençadiantedesituaçõeshumanasdedegradação,quandosecomportaindiferentementecomoqueéhumanoecomaquiloquenãooé?Maravilhaaselecçãoarbitráriadoquehojeépropostocomodignoderespeito:muitos,prontosaescandalizar-seporcoisasmarginais,parecemtolerarinjustiçasinauditas.Enquantoospobresdomundobatemàsportasdaopulência,omundoricocorreoriscodedeixardeouvirtaisapelosàsuaportaporcausadeumaconsciênciajáincapazdereconhecerohumano.Deusrevelaohomemaohomem;arazãoeafécolaboramparalhemostrarobem,desdequeoqueiraver;aleinatural,naqualreluzaRazãocriadora,indicaagrandezadohomem,mastambémasuamisériaquandoeledesconheceoapelodaverdademoral.
76.Umdosaspectosdoespíritotecnicistamodernoépalpávelnapropensãoaconsiderarosproblemaseasmoçõesligadosàvidainteriorsomentedopontodevistapsicológico,chegando-semesmoaoreducionismoneurológico.Assimesvazia-seainterioridadedohomeme,progressivamente,vai-seperdendoanoçãodaconsistênciaontológicadaalmahumana,comasprofundidadesqueosSantossouberampôradescoberto.Oproblemadodesenvolvimentoestáestritamenteligadotambémcomanossaconcepçãodaalmadohomem,umavezqueonossoeuacabamuitasvezesreduzidoaopsíquico,easaúdedaalmaéconfundidacomobem-estaremotivo.Nabase,estasreduçõestêmumaprofundaincompreensãodavidaespiritualelevam-nosaignorarqueodesenvolvimentodohomemedospovosdependeverdadeiramentetambémdasoluçãodosproblemasdecarácterespiritual.Alémdocrescimentomaterial,odesenvolvimentodeveincluiroespiritual,porqueapessoahumanaé«umseruno,compostodealmaecorpo»[156],nascidodoamorcriadordeDeusedestinadoavivereternamente.Oserhumanodesenvolve-sequandocrescenoespírito,quandoasuaalmaseconheceasimesmaeapreendeasverdadesqueDeusnelaimprimiuemgérmen,quandodialogaconsigomesmaecomoseuCriador.LongedeDeus,ohomemviveinquietoeestámal.Aalienaçãosocialepsicológicaeasinúmerasneurosesquecaracterizamassociedadesopulentasdevem-setambémacausasdeordemespiritual.Umasociedadedobem-estar,materialmentedesenvolvidamasoprimenteparaaalma,depersinãoestáorientadaparaoautênticodesenvolvimento.Asnovasformasdeescravidãodadrogaeodesesperoemquecaiemtantaspessoastêmumaexplicaçãonãosósociológicaepsicológica,masessencialmenteespiritual.Ovazioemqueaalmasesenteabandonada,emboranomeiodetantasterapiasparaocorpoeparaopsíquico,gerasofrimento.Nãohádesenvolvimentoplenonembemcomumuniversalsemobemespiritualemoraldaspessoas,consideradasnasuatotalidadedealmaecorpo.
77.Oabsolutismodatécnicatendeaproduzirumaincapacidadedeperceberaquiloquenãoseexplicameramentepelamatéria;e,noentanto,todososhomensexperimentamosnumerososaspectosimateriaiseespirituaisdasuavida.Conhecernãoéumactoapenasmaterial,porqueoconhecidoescondesemprealgoqueestáparaalémdodadoempírico.Todoonossoconhecimento,mesmoomaissimples,ésempreumpequenoprodígio,porquenuncaseexplicacompletamentecomosinstrumentosmateriaisqueutilizamos.Emcadaverdade,hásempremaisdoquenósmesmosteríamosesperado;noamorquerecebemos,hásemprequalquercoisaquenossurpreende.Nãodeveremoscessarjamaisdemaravilhar-nosdiantedestesprodígios.Emcadaconhecimentoeemcadaactodeamor,aalmadohomemexperimentaum«extra»queseassemelhamuitoaumdomrecebido,aumaalturaparaaqualnossentimosatraídos.Tambémodesenvolvimentodohomemedospovossecolocaaumatalaltura,seconsiderarmosadimensãoespiritualquedevenecessariamenteconotaraqueleparaquepossaserautêntico.Esterequerolhosnovoseumcoraçãonovo,capazdesuperaravisãomaterialistadosacontecimentoshumanoseentrevernodesenvolvimentoum«maisalém»queatécnicanãopodedar.Porestecaminho,serápossívelperseguiraqueledesenvolvimentohumanointegralquetemoseucritérioorientadornaforçapropulsoradacaridadenaverdade.
CONCLUSÃO
78.SemDeus,ohomemnãosabeparaondeirenãoconseguesequercompreenderquemseja.Peranteosenormesproblemasdodesenvolvimentodospovosquequasenoslevamaodesânimoeàrendição,vememnossoauxílioapalavradoSenhorJesusCristoquenostornacientesdestedadofundamental:«SemMim,nadapodeisfazer»(Jo15,5),eencoraja:«Euestareisempreconvosco,atéaofimdomundo»(Mt28,20).Diantedavastidãodotrabalhoarealizar,somosapoiadospelafénapresençadeDeusjuntodaquelesqueseunemnoseunomeetrabalhampelajustiça.PauloVIrecordou-nos,naPopulorumprogressio,queohomemnãoécapazdegerirsozinhoopróprioprogresso,porquenãopodeporsimesmofundarumverdadeirohumanismo.Somentesepensarmosquesomoschamados,enquantoindivíduosecomunidade,afazerpartedafamíliadeDeuscomoseusfilhos,équeseremoscapazesdeproduzirumnovopensamentoeexprimirnovasenergiasaoserviçodeumverdadeirohumanismointegral.Porisso,amaiorforçaaoserviçododesenvolvimentoéumhumanismocristão[157]quereaviveacaridadeequesedeixeguiarpelaverdade,acolhendoumaeoutracomodompermanentedeDeus.AdisponibilidadeparaDeusabreàdisponibilidadeparaosirmãoseparaumavidaentendidacomotarefasolidáriaejubilosa.Pelocontrário,areclusãoideológicaaDeuseoateísmodaindiferença,queesquecemoCriadorecorremoriscodeesquecertambémosvaloreshumanos,contam-sehojeentreosmaioresobstáculosaodesenvolvimento.OhumanismoqueexcluiDeuséumhumanismodesumano.SóumhumanismoabertoaoAbsolutopodeguiar-nosnapromoçãoerealizaçãodeformasdevidasocialecivil—noâmbitodasestruturas,dasinstituições,dacultura,doethos—preservando-nosdoriscodecairmosprisioneirosdasmodasdomomento.ÉaconsciênciadoAmorindestrutíveldeDeusquenossustentanofadigosoeexaltantecompromissoafavordajustiça,dodesenvolvimentodospovos,porentreêxitosefracassos,nabuscaincessantedeordenamentosrectosparaasrealidadeshumanas.OamordeDeuschama-nosasairdaquiloqueélimitadoenãodefinitivo,dá-noscoragemdeagircontinuandoaprocurarobemdetodos,aindaquenãoserealizeimediatamenteeaquiloqueconseguimosactuar—nóseasautoridadespolíticaseosoperadoreseconómicos—sejasempremenosdequantoanelamos[158].Deusdá-nosaforçadelutaresofrerporamordobemcomum,porqueEleéonossoTudo,anossaesperançamaior.
79.OdesenvolvimentotemnecessidadedecristãoscomosbraçoslevantadosparaDeusematitudedeoração,cristãosmovidospelaconsciênciadequeoamorcheiodeverdade—caritasinveritate–,doqualprocedeodesenvolvimentoautêntico,nãooproduzimosnós,masé-nosdado.Porisso,inclusivenosmomentosmaisdifíceisecomplexos,alémdereagirconscientementedevemossobretudoreferir-nosaoseuamor.Odesenvolvimentoimplicaatençãoàvidaespiritual,umasériaconsideraçãodasexperiênciasdeconfiançaemDeus,defraternidadeespiritualemCristo,deentregaàprovidênciaeàmisericórdiadivina,deamoredeperdão,derenúnciaasimesmos,deacolhimentodopróximo,dejustiçaedepaz.Tudoistoéindispensávelparatransformaros«coraçõesdepedra»em«coraçõesdecarne»(Ez36,26),paratornar«divina»econsequentementemaisdignadohomemavidasobreaterra.Tudoistoédohomem,porqueohomemésujeitodaprópriaexistência;eaomesmotempoédeDeus,porqueDeusestánoprincípioenofimdetudoaquiloquetemvaloreredime:«queromundo,queravida,queramorte,queropresente,querofuturo,tudoévosso;masvóssoisdeCristo,eCristoédeDeus»(1Cor3,22-23).AânsiadocristãoéquetodaafamíliahumanapossainvocaraDeuscomoo«Painosso».JuntamentecomoFilhounigénito,possamtodososhomensaprenderarezaraoPaieapedir-Lhe,comaspalavrasqueopróprioJesusnosensinou,parasabê-Losantificarvivendosegundoasuavontade,edepoisteropãonecessárioparacadadia,acompreensãoeagenerosidadecomquemnosofendeu,nãoserpostosàprovaalémdassuasforçasever-selivresdomal(cf.Mt6,9-13).
NofinaldoAnoPaulino,apraz-meformularosseguintesvotoscompalavrasdoApóstolotiradasdasuaCartaaosRomanos:«Queavossacaridadesejasincera,aborrecendoomaleaderindoaobem.Amai-vosunsaosoutroscomamorfraternal,adiantando-vosemhonrarunsaosoutros»(12,9-10).QueaVirgemMaria,proclamadaporPauloVIMaterEcclesiæehonradapelopovocristãocomoSpeculumIustitiæeReginaPacis,nosprotejaeobtenha,comasuaintercessãoceleste,aforça,aesperançaeaalegrianecessáriasparacontinuarmosadedicar-noscomgenerosidadeaocompromissoderealizaro«desenvolvimentointegraldohomemtodoedetodososhomens»[159].
DadoemRoma,juntodeSãoPedro,nodia29deJunho—SolenidadedosSantosApóstolosPedroePaulo—doano2009,quintodomeuPontificado.
BENEDICTUSPP.XVI——
[1]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),22:AAS59(1967),268;cf.Conc.Ecum.Vat.II,Const.past.sobreaIgrejanomundocontemporâneoGaudiumetspes,69.
[2]DiscursonaJornadadoDesenvolvimento(23deAgostode1968):AAS60(1968),626-627.
[3]Cf.JoãoPauloII,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2002:AAS94(2002),132-140.
[4]Cf.Conc.Ecum.Vat.II,Const.past.sobreaIgrejanomundocontemporâneoGaudiumetspes,26.
[5]Cf.JoãoXXIII,Cartaenc.Paceminterris(11deAbrilde1963):AAS55(1963),268-270.
[6]Cf.n.16:AAS59(1967),265.
[7]Cf.ibid.,82:o.c.,297.
[8]Ibid.,42:o.c.,278.
[9]Ibid.,20:o.c.,267.
[10]Cf.Conc.Ecum.Vat.II,Const.past.sobreaIgrejanomundocontemporâneoGaudiumetspes,36;PauloVI,Cartaap.Octogesimaadveniens(14deMaiode1971),4:AAS63(1971),403-404;JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),43:AAS83(1991),847.
[11]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),13:AAS59(1967),263-264.
[12]Cf.Pont.Conselho«JustiçaePaz»,CompêndiodaDoutrinaSocialdaIgreja,n.76.
[13]Cf.BentoXVI,DiscursonaSessãoinauguraldostrabalhosdaVConferênciaGeraldoEpiscopadoLatino-AmericanoedasCaraíbas(13deMaiode2007):InsegnamentiIII/1(2007),854-870.
[14]Cf.nn.3-5:AAS59(1967),258-260.
[15]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Sollicitudoreisocialis(30deDezembrode1987),6-7:AAS80(1988),517-519.
[16]Cf.PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967)14:AAS59(1967),264.
[17]BentoXVI,Cartaenc.Deuscaritasest(25deDezembrode2005),18:AAS98(2006),232.
[18]Ibid.,6:o.c.,222.
[19]Cf.BentoXVI,DiscursoàCúriaRomanaduranteaapresentaçãodevotosnatalícios(22deDezembrode2005):InsegnamentiI(2005),1023-1032.
[20]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Sollicitudoreisocialis(30deDezembrode1987),3:AAS80(1988),515.
[21]Cf.ibid.,1:o.c.,513-514.
[22]Cf.ibid.,3:o.c.,515.
[23]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Laboremexercens(14deSetembrode1981),3:AAS73(1981),583-584.
[24]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),3:AAS83(1991),794-796.
[25]Cf.Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),3:AAS59(1967),258.
[26]Cf.ibid.,34:o.c.,274.
[27]Cf.nn.8-9:AAS60(1968),485-487;BentoXVI,DiscursoaosparticipantesnoCongressoInternacionalorganizadono40ºaniversárioda«Humanaevitae»(10deMaiode2008):InsegnamentiIV/1(2008),753-756.
[28]Cf.Cartaenc.Evangeliumvitae(25deMarçode1995),93:AAS87(1995),507-508.
[29]Ibid.,101:o.c.,516-518.
[30]N.29:AAS68(1976),25.
[31]Ibid.,31:o.c.,26.
[32]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Sollicitudoreisocialis(30deDezembrode1987),41:AAS80(1988),570-572.
[33]Cf.ibid.,41:o.c.,570-572;Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),5.54:AAS83(1991),799.859-860.
[34]N.15:AAS59(1967),265.
[35]Cf.ibid.,2:o.c.,481-482;LeãoXIII,Cartaenc.Rerumnovarum(15deMaiode1891):LeonisXIIIP.M.Acta,XI(1892),97-144;JoãoPauloII,Cartaenc.Sollicitudoreisocialis(30deDezembrode1987),8:AAS80(1988),519-520;Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),5:AAS83(1991),799.
[36]Cf.Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),2.13:AAS59(1967),258.263-264.
[37]Ibid.,42:o.c.,278.
[38]Ibid.,11:o.c.,262;cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),25:AAS83(1991),822-824.
[39]Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),15:AAS59(1967),265.
[40]Ibid.,3:o.c.,258.
[41]Ibid.,6:o.c.,260.
[42]Ibid.,14:o.c.,264.
[43]Ibid.,14:o.c.,264;cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),53-62:AAS83(1991),859-867;Cartaenc.Redemptorhominis(4deMarçode1979),13-14:AAS71(1979),282-286.
[44]Cf.PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),12:AAS59(1967),262-263.
[45]Conc.Ecum.Vat.II,Const.past.sobreaIgrejanomundocontemporâneoGaudiumetspes,22.
[46]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),13:AAS59(1967),263-264.
[47]Cf.BentoXVI,DiscursoaosparticipantesnoIVCongressoEclesialNacionaldaIgrejaqueestáemItália(19deOutubrode2006):InsegnamentiII/2(2006),465-477.
[48]Cf.PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),16:AAS59(1967),265.
[49]Ibid.,16:o.c.,265.
[50]BentoXVI,DiscursoaosjovensnocaisdeBarangaroo(17deJulhode2008):L'OsservatoreRomano(ed.portuguesade19//VII/2008),4.
[51]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),20:AAS59(1967),267.
[52]Ibid.,66:o.c.,289-290.
[53]Ibid.,21:o.c.,267-268.
[54]Cf.nn.3.29.32:o.c.,258.272.273.
[55]Cf.Cartaenc.Sollicitudoreisocialis(30deDezembrode1987),28:AAS80(1988),548-550.
[56]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),9:AAS59(1967),261-262.
[57]Cf.Cartaenc.Sollicitudoreisocialis(30deDezembrode1987),20:AAS80(1988),536-537.
[58]Cf.Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),22-29:AAS83(1991),819-830.
[59]Cf.nn.23.33:AAS59(1967),268-269.273-274.
[60]Cf.LeonisXIIIP.M.Acta,XI(1892),135.
[61]Conc.Ecum.Vat.II,Const.past.sobreaIgrejanomundocontemporâneoGaudiumetspes,63.
[62]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),24:AAS83(1991),821-822.
[63]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Veritatissplendor(6deAgostode1993),33.46.51:AAS85(1993),1160.1169-1171.1174-1175;DiscursoàAssembleiaGeraldasNaçõesUnidasnacomemoraçãodocinquentenáriodefundação(5deOutubrode1995),3:InsegnamentiXVIII/2(1995),732-733.
[64]Cf.Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),47:AAS59(1967),280-281;JoãoPauloII,Cartaenc.Sollicitudoreisocialis(30deDezembrode1987),42:AAS80(1988),572-574.
[65]Cf.BentoXVI,MensagemporocasiãodoDiaMundialdaAlimentação2007:AAS99(2007),933-935.
[66]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Evangeliumvitae(25deMarçode1995),18.59.63-64:AAS87(1995),419-421.467-468.472-475.
[[67]Cf.BentoXVI,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2007,5:InsegnamentiII/2(2006),778.
[68]Cf.JoãoPauloII,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2002,4-7.12-15:AAS94(2002),134-136.138-140;MensagemparaoDiaMundialdaPaz2004,8:AAS96(2004),119;MensagemparaoDiaMundialdaPaz2005,4:AAS97(2005),177-178;BentoXVI,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2006,9-10:AAS98(2006),60-61;MensagemparaoDiaMundialdaPaz2007,5.14:InsegnamentiII/2(2006),778.782-783.
[69]Cf.JoãoPauloII,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2002,6:AAS94(2002),135;BentoXVI,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2006,9-10:AAS98(2006),60-61.
[70]Cf.BentoXVI,HomiliadaSantaMissano«IslingerFeld»diRegensburg(12deSetembrode2006):InsegnamentiII/2(2006),252-256.
[71]Cf.BentoXVI,Cartaenc.Deuscaritasest(25deDezembrode2005),1:AAS98(2006),217-218.
[72]JoãoPauloII,Cartaenc.Sollicitudoreisocialis(30deDezembrode1987),28:AAS80(1988),548-550.
[73]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),19:AAS59(1967),266-267.
[74]Ibid.,39:o.c.,276-277.
[75]Ibid.,75:o.c.,293-294.
[76]Cf.BentoXVI,Cartaenc.Deuscaritasest(25deDezembrode2005),28:AAS98(2006),238-240.
[77]JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),59:AAS83(1991),864.
[78]Cf.Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),40.85:AAS59(1967),277.298-299.
[79]Ibid.,13:o.c.,263-264.
[80]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Fidesetratio(14deSetembrode1998),85:AAS91(1999),72-73.
[81]Cf.ibid.,83:o.c.,70-71.
[82]BentoXVI,DiscursonaUniversidadedeRegensburg(12deSetembrode2006):InsegnamentiII/2(2006),265.
[83]Cf.PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),33:AAS59(1967),273-274.
[84]Cf.JoãoPauloII,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2000,15:AAS92(2000),366.
[85]CatecismodaIgrejaCatólica,407;cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),25:AAS83(1991),822-824.
[86]Cf.n.17:AAS99(2007),1000.
[87]Cf.ibid.,23:o.c.,1004-1005.
[88]SantoAgostinhoexpõe,demaneiradetalhada,esteensinamentonodiálogosobreolivrearbítrio(Deliberoarbitrio,II,3,8s.).Apontaparaaexistênciadeum«sentidointerno»dentrodaalmahumana.Estesentidoconsistenumactoqueserealizaforadasfunçõesnormaisdarazão,umactonãoreflexoequaseinstintivo,peloqualarazão,aodar-secontadasuacondiçãotransitóriaefalível,admiteacimadesimesmaaexistênciadealgodeeterno,absolutamenteverdadeiroecerto.Onome,queSantoAgostinhodáaestaverdadeinterior,umasvezeséDeus(ConfissõesX,24,35;XII,25,35;Deliberoarbitrio,II,3,8,27),outrasemaisfrequentementeéCristo(Demagistro11,38;ConfissõesVII,18,24;XI,2,4).
[89]BentoXVI,Cartaenc.Deuscaritasest(25deDezembrode2005),3:AAS98(2006),219.
[90]Cf.n.49:AAS59(1967),281.
[91]JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),28:AAS83(1991),827-828.
[92]Cf.n.35:AAS83(1991),836-838.
[93]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Sollicitudoreisocialis(30deDezembrode1987),38:AAS80(1988),565-566.
[94]N.44:AAS59(1967),279.
[95]Cf.ibid.,24:o.c.,269.
[96]Cf.Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),36:AAS83(1991),838-840.
[97]Cf.PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),24:AAS59(1967),269.
[98]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),32:AAS83(1991),832-833;PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),25:AAS59(1967),269-270.
[99]JoãoPauloII,Cartaenc.Laboremexercens(14deSetembrode1981),24:AAS73(1981),637-638.
[100]Ibid.,15:o.c.,616-618.
[101]Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),27:AAS59(1967),271.
[102]Cf.Congr.daDoutrinadaFé,Instr.sobrealiberdadecristãealibertaçãoLibertatisconscientia(22deMarçode1987),74:AAS79(1987),587.
[103]Cf.JoãoPauloII,Entrevistaaodiáriocatólico«LaCroix»de20deAgostode1997.
[104]JoãoPauloII,DiscursoàPontifíciaAcademiadasCiênciasSociais(27deAbrilde2001):InsegnamentiXXIV/1(2001),800.
[105]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),17:AAS59(1967),265-266.
[106]Cf.JoãoPauloII,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2003,5:AAS95(2003),343.
[107]Cf.ibid.,5:o.c.,343.
[108]Cf.BentoXVI,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2007,13:InsegnamentiII/2(2006),781-782.
[109]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),65:AAS59(1967),289.
[110]Cf.ibid.,36-37:o.c.,275-276.
[111]Cf.ibid.,37:o.c.,275-276.
[112]Cf.Conc.Ecum.Vat.II,Decr.sobreoapostoladodosleigosApostolicamactuositatem,11.
[113]Cf.PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),14:AAS59(1967),264;JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),32:AAS83(1991),832-833.
[114]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),77:AAS59(1967),295.
[115]JoãoPauloII,MensagemparaoDiaMundialdaPaz1990,6:AAS82(1990),150.
[116]HeráclitodeÉfeso(±535-475a.C.),Fragmento22B124,inH.Diels-W.Kranz,DieFragmentederVorsokratiker(Weidmann,Berlim[6]1952).
[117]Cf.Pont.Conselho«JustiçaePaz»,CompêndiodaDoutrinaSocialdaIgreja,nn.451-487.
[118]Cf.JoãoPauloII,MensagemparaoDiaMundialdaPaz1990,10:AAS82(1990),152-153.
[119]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),65:AAS59(1967),289.
[120]BentoXVI,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2008,7:AAS100(2008),41.
[121]Cf.BentoXVI,DiscursoaosparticipantesnaAssembleiaGeraldasNaçõesUnidas(18deAbrilde2008):InsegnamentiIV//1(2008),618-626.
[122]Cf.JoãoPauloII,MensagemparaoDiaMundialdaPaz1990,13:AAS82(1990),154-155.
[123]JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1967),36:AAS83(1991),838-840.
[124]Ibid.,38:o.c.,840-841;cf.BentoXVI,MensagemparaoDiaMundialdaPaz2007,8:InsegnamentiII/2(2006),779.
[125]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode2009),41:AAS83(1991),843-845.
[126]Cf.ibid.,41:o.c.,843-845.
[127]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Evangeliumvitae(25deMarçode1995),20:AAS87(1995),422-424.
[128]Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),85:AAS59(1967),298-299.
[129]Cf.JoãoPauloII,MensagemparaoDiaMundialdaPaz1998,3:AAS90(1998),150;DiscursoaosMembrosdaFundação«Centesimusannus»(9deMaiode1998),2:InsegnamentiXXI/1(1998),873-874;DiscursoàsAutoridadesCivisePolíticaseaoCorpoDiplomáticoduranteoencontrono«WienerHofburg»(20deJunhode1998),8:InsegnamentiXXI/1(1998),1435-1436;MensagemaoReitorMagníficodaUniversidadeCatólica«SacroCuore»porocasiãodoDiaAnualdestaInstituição(5deMaiode2000),6:InsegnamentiXXIII/1(2000),759-760.
[130]SegundoSãoTomás,«ratiopartiscontrariaturrationipersonae»,inIIISent.d.5,3,2;eainda«homononordinaturadcommunitatempoliticamsecundumsetotumetsecundumomniasua»,inSummaTheologiaeI-II,q.21,a.4,ad3um.
[131]Cf.Conc.Ecum.Vat.II,Const.dogm.sobreaIgrejaLumengentium,1.
[132]Cf.JoãoPauloII,DiscursoaosparticipantesnaSessãoPúblicadasAcademiasPontifíciasdeTeologiaedeSãoTomásdeAquino(8deNovembrode2001),3:InsegnamentiXXIX/2(2001),676-677.
[133]Cf.Congr.daDoutrinadaFé,Decl.sobreaunicidadeeuniversalidadesalvíficadeJesusCristoedaIgrejaDominusIesus(6deAgosto2000),22:AAS92(2000),763-764;Notadoutrinalsobrealgumasquestõesrelativasàparticipaçãoecomportamentodoscatólicosnavidapolítica(24deNovembrode2002)8:L'OsservatoreRomano(ed.portuguesade25/I/2005),11.
[134]BentoXVI,Cartaenc.Spesalvi(30deNovembrode2007),31:AAS99(2007),1010;DiscursoaosparticipantesnoIVCongressoEclesialNacionaldaIgrejaqueestáemItália(19deOutubrode2006):InsegnamentiII/2(2006),465-477.
[135]JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),5:AAS83(1991),798-800;cf.BentoXVI,DiscursoaosparticipantesnoIVCongressoEclesialNacionaldaIgrejaqueestáemItália(19deOutubrode2006):InsegnamentiII/2(2006),471.
[136]N.12.
[137]Cf.PioXI,Cartaenc.Quadragesimoanno(15deMaiode1931):AAS23(1931),203;JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),48:AAS83(1991),852-854;CatecismodaIgrejaCatólica,n.1883.
[138]Cf.JoãoXXIII,Cartaenc.Paceminterris(11deAbrilde1963):AAS55(1963),274.
[139]Cf.PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),10.41:AAS59(1967),262.277-278.
[140]Cf.BentoXVI,DiscursoaosmembrosdaComissãoTeológicaInternacional(5deOutubrode2007):InsegnamentiIII/2(2007),418-421;DiscursoaosparticipantesnoCongressointernacionalsobre«LeiMoralNatural»promovidopeloPontifíciaUniversidadeLateranense(12deFevereirode2007):InsegnamentiIII/1(2007),209-212.
[141]Cf.BentoXVI,DiscursoaosmembrosdaConferênciaEpiscopaldaTailândiaem«VisitaadLimina»(16deMaiode2008):InsegnamentiIV/1(2008),798-801.
[142]Cf.Pont.ConselhodaPastoralparaosMigranteseosItinerantes,Instr.ErgamigrantescaritasChristi(3deMaiode2004):AAS96(2004),762-822.
[143]JoãoPauloII,Cartaenc.Laboremexercens(14deSetembrode1981),8:AAS73(1981),594-598.
[144]DiscursonofinaldaConcelebraçãoEucarísticaporocasiãodoJubileudosTrabalhadores(1deMaiode2000):InsegnamentiXXIII/1(2000),720.
[145]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Centesimusannus(1deMaiode1991),36:AAS83(1991),838-840.
[146]Cf.BentoXVI,DiscursoaosparticipantesnaAssembleiaGeraldasNaçõesUnidas(18deAbrilde2008):InsegnamentiIV/1(2008),618-626.
[147]Cf.JoãoXXIII,Cartaenc.Paceminterris(11deAbrilde1963):AAS55(1963),293;Pont.Conselho«JustiçaePaz»,CompêndiodaDoutrinaSocialdaIgreja,n.441.
[148]Cf.Conc.Ecum.Vat.II,Const.past.sobreaIgrejanomundocontemporâneoGaudiumetspes,82.
[149]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Sollicitudoreisocialis(30deDezembrode1987),43:AAS80(1988),574-575.
[150]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),41:AAS59(1967),277-278;cf.Conc.Ecum.Vat.II,Const.past.sobreaIgrejanomundocontemporâneoGaudiumetspes,57.
[151]Cf.JoãoPauloII,Cartaenc.Laboremexercens(14deSetembrode1981),5:AAS73(1981),586-589.
[152]Cf.PauloVI,Cartaap.Octogesimaadveniens(14deMaiode1971),29:AAS63(1971),420.
[153]Cf.BentoXVI,DiscursoaosparticipantesnoIVCongressoEclesialNacionaldaIgrejaqueestáemItália(19deOutubrode2006):InsegnamentiII/2(2006),465-477;HomiliadaSantaMissano«IslingerFeld»diRegensburg(12deSetembrode2006):InsegnamentiII/2(2006),252-256.
[154]Cf.Congr.daDoutrinadaFé,Instr.sobrealgumasquestõesdebioéticaDignitaspersonae(8deSetembrode2008):AAS100(2008),858-887.
[155]Cf.Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),3:AAS59(1967),258.
[156]Conc.Ecum.Vat.II,Const.past.sobreaIgrejanomundocontemporâneoGaudiumetspes,14.
[157]Cf.n.42:AAS59(1967),278.
[158]Cf.BentoXVI,Cartaenc.Spesalvi(30deNovembrode2007),35:AAS99(2007),1013-1014.
[159]PauloVI,Cartaenc.Populorumprogressio(26deMarçode1967),42:AAS59(1967),278.
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